Por Leonardo Mamede - A temporada de saibro da ATP chega ao final, que nos reserva a melhor parte: Roland Garros. O Grand Slam da terra batida, em que os títulos de Rafael Nadal outrora eram uma barbada, terá sua edição mais emocionante da última década, provavelmente. Desta vez, Novak Djokovic, Andy Murray e o próprio Rafael Nadal têm grandes e equivalentes chances de saírem vitoriosos.
Isso passa, é claro, pela queda nos resultados do sérvio: tivesse Nole continuado a acumular títulos e atropelos, ele seria o favorito absoluto a reinar, pela primeira vez, na Philippe Chatrier, no dia 05/06.
Entretanto, uma derrota completamente inesperada na estreia em Monte Carlo e um declive, também – e principalmente –, no rendimento de Novak, culminaram num Masters de Roma disputado pelo líder, na maior parte do tempo, aos trancos e barrancos. Na final, ele levou uma aula de Andy Murray, numa derrota que já amadurecia há algum tempo.
Cansaço ou tendência natural do esporte - vide a queda, em 2016, nos resultados de Serena Williams, que fora tão dominante quanto Djokovic na temporada passada -, a verdade é que, apesar de ainda precisar apenas do ‘peso da camisa’ para triunfar em muitos jogos, os tenistas, notadamente seus maiores rivais pela ‘Copa dos Mosqueteiros’, a taça do major parisiense, olham para o líder do ranking e pensam: ‘bom, é possível ganhar dele’.
Como pontos altos na superfície, fica o título em Madri, é claro, mas, especialmente, a vitória contra Nadal, na capital italiana. O triunfo sobre o espanhol é o símbolo de que sua superioridade sobre o arquirrival, desde a sua volta de contusão, continua. Já são sete êxitos seguidos, três no saibro – todos em sets diretos, inclusive em Roland Garros - e isso pesa, mentalmente falando, para qualquer pessoa, mesmo que Nadal seja uma fortaleza psicológica. Apesar de uma gira europeia não tão boa, o número um já avisou: “minha confiança permanece alta”. Convém não duvidar.
Da mesma forma, não é leve para o representante do país balcânico o fato de que ele nunca conseguiu vencer Roland Garros. Para alguém que já dominou o circuito amplamente em duas oportunidades diferentes – 2011 e 2015-atualmente - na história do tênis, a falta de um dos quatro maiores torneios do esporte no currículo seguramente é um incômodo. Isso ficou evidente na premiação da última edição.
ANDY MURRAY
Quem diria. Estamos falando de Andy Murray na seção de ‘favoritos ao Aberto da França’. Sim, estamos. Antes de 2015, o escocês não fazia frente aos melhores saibristas da ATP; pelo contrário, ele acumulava derrotas para tenistas de ranking inferior e até não especialistas na superfície.
Mas tudo mudou na temporada passada. Ao jogar o ATP de Munique, seu primeiro torneio 250 na terra batida em muitos anos, Andy conquistou a primeira taça da carreira sobre o piso, em uma duríssima final contra o alemão Philipp Kohlschreiber. Na semana seguinte, outra vitória em três sets sobre o germânico foi o pontapé inicial para o título no Masters de Madri, derrotando o maior jogador de saibro da história, Rafael Nadal, por 6/3 e 6/2, na casa do adversário. Na semifinal de Roland Garros, um lance espetacular, quando ele perdia sem impor grandes dificuldades a Djokovic, iniciou a reação, que resultou numa suada vitória do sérvio, em cinco sets. Ninguém entendeu o que estava acontecendo, mas o fato é que, desde então, o britânico só perdeu dois jogos, ambos em três sets, para os dois maiores oponentes na cidade luz, e mostra a cada dia que vai muito bem, obrigado, pisando no pó de tijolo, a ponto de declarar que, agora, “o saibro é um piso fácil” para ele.
A favor do mais novo pai do circuito masculino, ainda, temos o status. Murray não carrega nas costas a pressão de vencer o major, como Novak. Mais uma derrota não significaria outro ano sem completar o Grand Slam, mas apenas levá-lo-ia a rumar para a grama inglesa, como ele faz em todas as temporadas. Tampouco o rótulo de ‘rei do saibro’ põe os holofotes em seu rosto e lhe obriga a provar sua superioridade no santuário laranja, sob pena de dúvidas severas acerca da forma em que se encontra.
RAFAEL NADAL
Rafael Nadal. Saibro. O texto poderia acabar neste ponto, mas o tenista de Manacor teve, desde seu retorno, em janeiro de 2015, muitas dificuldades para voltar a dar trabalho aos melhores jogadores da ATP. De forma sucinta, o ‘Touro Miúra’ tinha problemas na confiança em seu jogo, o que resultava em bolas sem profundidade saindo de sua raquete. Consequentemente, as derrotas vinham. Certa vez, ele admitiu que a ansiedade dificultava seu olhar tático do jogo. Sua capacidade de pensar taticamente estava comprometida, e isso é mortal para alguém que almeja vencer Grand Slams.
Rafael apanhou dos adversários e da mídia, mas treinou, esperou e perseverou. Em Monte Carlo, há um mês, a recompensa veio. Nadal estava de volta à grande forma – escrever melhor forma seria injusto com tudo que ele nos proporcionou –, atacando os concorrentes com bolas profundas e lotadas de spin. Ocupando, hoje, a 5ª colocação no ranking, o ‘rei do saibro’ venceu uma quadra complicadíssima – Thiem, Wawrinka, Murray e Monfils – e, na 100ª final da carreira, conquistou o evento monegasco pela nona vez. Em Barcelona, também veio o nono título, mantendo o bom tênis e batendo, na final, o japonês Kei Nishikori, num dos melhores jogos de tênis disputados em 2016.
Roland Garros já viu o ‘Touro’ levantar seu troféu, veja só, nove vezes. Lá, ele tentará levar o maior dos torneios de sua ‘trinca mágica’ aos dois dígitos e, ainda que o maiorquino não jogue como antes, seu nível de tênis atual, junto à volta do medo sentido pelos adversários quando o veem no outro lado da rede – o ‘peso da camisa’ usado quando falávamos de Djokovic - e, é claro, da ambição de provar a todos, mas primeiramente a si mesmo, que ainda pode vencer Grand Slams, fazem dele um enorme candidato à contenda francesa.
AS ZEBRAS
É realmente muito difícil que a Coupe des Mousquetaires não acabe na mão de um dos três primeiros homens analisados acima, mas devemos abrir completamente o leque e citar aqueles que correm por fora.
STAN WAWRINKA
O atual campeão na casa da Torre Eiffel atravessa uma fase ruim e não dá a menor pinta de que irá surpreender. Mas nenhum jogador em toda a Associação dos Tenistas Profissionais tem um abismo de motivação tão grande entre os Grand Slams e os torneios ‘comuns’: Wawrinka transforma-se de forma incrível jogando um major e jamais deve ser desconsiderado quando o assunto é um dos quatro maiores torneios, em especial na Austrália e na França.
Em 2015, é bom lembrar, ele perdeu para Federico Delbonis, então 74º colocado, em Genebra, na semana anterior à Paris. Dezessete dias depois, ele levantava seu segundo Grand Slam da carreira, depois de arrasar Simon, Federer, Tsonga e o quase imbatível Djokovic. Se ele ‘falhar melhor’ mais uma vez, tudo pode acontecer.
KEI NISHIKORI
O japonês é, sem dúvidas, o próximo na fila de ‘novos campeões de Grand Slam’ – e isso está representado no ranking, inclusive. Seu altíssimo nível de tênis e a estabilidade entre os melhores do mundo são formidáveis, mas ainda lhe falta superar o top four e confirmar as expectativas, algo que não conseguiu no US Open 2014. Sua temporada de saibro, com uma difícil derrota para Nadal e duas quedas frente ao número um, o credencia a ser classificado como quarto favorito ao caneco.
OUTROS
Dominic Thiem e Nick Kyrgios são excelentes, mas estão demasiadamente ‘verdes’ para uma briga de cachorros tão grandes. Além deles, o histórico no 16º arrondissement levaria Jo-Wilfried Tsonga e David Ferrer à lista de azarões, mas os dois fizeram temporadas de saibro péssimas. É mais provável que Monfils, também instável, seja o local a chegar mais longe nesta edição.
BRASILEIROS
Thomaz Bellucci é, mais do que nunca, uma incógnita. Não está em uma ótima fase, como na temporada passada, mas não joga mal. Ao mesmo tempo em que atua de forma impressionante, como mostrou no jogo contra Djokovic, sai de jogo num piscar de olhos e perde bisonhamente, como ocorreu em Genebra, nesta semana. A torcida fica para que ele não enfrente um bicho-papão na primeira rodada e apresente sua melhor faceta, com que é capaz de encarar qualquer tenista.
Rogerinho, por sua vez, jogará sua sexta chave principal em um Grand Slam. Seu objetivo é, contando com a sorte no sorteio, alcançar a segunda rodada e igualar seu melhor resultado em majors – ele chegou lá três vezes, todas no US Open, em anos consecutivos: 2011, 2012 e 2013.
DUPLAS
A categoria em que temos chance. Marcelo Melo e Bruno Soares são, respectivamente, 1º e 10º melhores tenistas de duplas do mundo. O líder do ranking jogará ao lado de seu parceiro de longa data, o croata Ivan Dodig, junto a quem defende os 2000 pontos do título de 2015.
Infelizmente, após uma temporada passada estrondosa, a dupla vem sofrendo algumas eliminações precoces. Seus melhores resultados foram as semifinais em Monte Carlo, onde perdeu para Bruno, e Madri. Contudo, nas capitais espanhola e italiana, os dois últimos torneios jogados, ele caiu em jogos decididos além dos limites do super-tiebreak, o terceiro set de dez pontos. É candidato ao bicampeonato.
Soares também decaiu após a ótima gira australiana, que culminou no título do Australian Open, seu primeiro Grand Slam, junto ao escocês Jamie Murray, com quem começou a fazer parceria neste ano. Eliminações precoces também ocorreram no Brasil e nos Estados Unidos, assim como na gira europeia de saibro, com exceção de Monte Carlo, onde venceu três ótimas duplas e perdeu a final para Mahut e Herbert, a melhor dupla do ano. Bruno e Jamie ainda são a segunda parceria melhor colocada no ranking da ATP e têm tudo para fazer uma grande campanha.
Para sorte dos dois, os Grand Slams adotam o terceiro set longo e a vantagem volta a vigorar em todos os games. Assim, a partida fica consideravelmente mais justa, beneficiando os melhores jogadores. Além disso, depois de a dupla formada pelos irmãos Bryan dominar amplamente o circuito por muitos anos, atualmente não vemos uma proeminência minimamente parecida com aquela. Todavia, Herbert/Mahut, Rojer/Tecau e Bopanna/Mergea, além de Bob/Mike Bryan, sempre eles, despontam como principais favoritos ao título.