Por Ariane Ferreira - O psicólogo esportivo Felipe Vardiero conversou com o Tênis News a respeito de saúde mental e revelou as diferentes formas de se trabalhar com tenistas, dependendo da etapa vivida, seja juvenil, transição ou profissional.
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Felipe Vardiero é um psicólogo especialista em esporte, e atua com alguns dos jogadores da Tennis Route, no Rio de Janeiro, como Wild, Pedro Sakamoto e Gilbert Klier Jr. O psicólogo também atua na equipe do bicampeão de MMA no peso-pena, José Aldo, e outros atletas.
Segundo o profissional, “de todos os esportes, o tênis é o esporte em que você precisa estar em ordem com seu mental” e para estar com este aspecto é necessário que um trabalho específico, de acordo com a fase do tenista no esporte seja desenvolvida.
Vardiero explica as diferenças: “No caso do profissional, aquilo vira a vida da pessoa, com uma rotina de viajar 30 semanas por ano, convivendo apenas com o circuito e com o treinador, quando consegue viajar com o treinador. Isso (em si) gera um desgaste emocional muito grande, além do físico. E a gente vai partir do ponto que esse atleta toda a semana vai ter uma derrota, a não ser que ele seja o campeão do torneio. Então, numa chave de 64, um será campeão”.
De acordo com o psicólogo, a grande dificuldade do profissional é “gerir” uma frustração por semana, pelo menos, em um calendário muito apertado. Não gerir este processo, ou mesmo a má gestão, levam o tenista a desenvolver sinais de que algo pode não estar tão bem. “ Um sintoma muito comum é o cansaço, de querer largar numa gira. Conseguir administrar isso tudo e se concentrar para jogar na outra semana. É muito difícil”, pondera.
“Quem está na transição, normalmente era quem tinha bons resultados no juvenil, vinha de fazer semifinais e finais, ganhar torneios e aí quando entra na transição tem que viajar, passa a perder primeira rodada de quali, Future e começa a se perguntar as coisas. Nessa hora vem tanta dúvida na vida de uma pessoa, que a gente vê claramente sinais de ansiedades”, pondera Vardiero.
Para o psicólogo, a fase do circuito juvenil inclui ainda os problemas já habituais da fase da adolescência dada a explosão hormonal e somada às oscilações de humor causadas por “jogar bem e mal” e por isso, esse perfil de atleta precisam ainda de mais atenção.
Foto: Felipe Vardiero | Redes Sociais
De acordo com a experiência do profissional, o atleta, independente do nível em que está, pode apresentar sintomas que podem sinalizar a presença ou início de algum problema maior, como depressão ou mesmo transtorno de ansiedade. “São quadros de ansiedade, insônia, dificuldades para comer, cumprir suas rotinas, dificuldades para conseguir se preparar pro jogo”, explica.
“Ali, o atleta tem de pensar: ‘Estou conseguindo dormir? Que tipo de pensamento eu estou nutrindo? Tem ansiedade exagerada antes do jogo ou dentro do jogo. É comum que o atleta tenha contraturas, canse antes do que precisa, pois libera ácido lático muito rápido. É comum o atleta treina muito e bem por 5, 6 horas e em 2h de jogo e está muito cansado”.
O maior desgaste tem muito a ver com o formato da competição do tênis. Vardiero recorda que seus atletas do MMA por exemplo passam boa parte do ano em casa e na academia treinando, tendo contato com familiares e amigos. “Quando muito um atleta do MMA tem três lutas no mesmo ano. No tênis você precisa se provar toda semana. É defesa de pontos… ganhar uma grana maior para pagar a equipe. A pessoa tem a emoção de acordo com o que faz no tênis. Por isso, viajar com equipe é importante, um psicólogo é melhor ainda - não precisa ser fisicamente, a tecnologia permite isso”, pontua o profissional que ressalta a importância do tenista “ter uma vida além do tênis”.
Para o profissional, não é preciso viver em alerta máximo: “A gente precisa aprender a não ter medo da ansiedade. Deixa a ansiedade cumprir o papel dela, que é ampliar a atenção, manter o foco. Quando ela passa disso, ela começa a dar sintomas muito ruins”.
O profissional ainda aponta que há muitos casos em que a tensão causada pela ansiedade é tão grande, que a pessoa passa a não “sentir” o que está acontecendo: “É comum um torneio andar e o tenista estar ali, como se nada tivesse acontecendo. Não é porque ele está blasé naquilo, a verdade é que ele não aguentou a pressão e está lidando da maneira possível, porque a tensão estava insuportável. É possível ver isso em jogo também”.
Todas estas ações fazem parte do trabalho de Vardiero com a principal promessa do tênis brasileiro. Wild, disse em entrevista ao blog Saque e Voleio que o psicólogo o ajuda a “soltar os demônios” e segundo o profissional, o trabalho com o tenista paranaense atua com a motivação, mas o entendimento do que é o tênis e também para dar espaço ao Thiago, que tem de ter uma vida comum em paralelo a toda a sua responsabilidade enquanto atleta.
Não é apenas a pressão do tênis que pode ser prejudicial a saúde mental e emocional dos atletas. As especificidades do esporte também são benéficas neste aspecto, principalmente para um perfil de pessoas: “Pra quem ama a competição, há pouquíssimos esportes para isso como o tênis. Se você pega esses jogadores que jogam sempre as finais dos torneios, eles jogam quase todo dia. Esses caras precisam gostar do pré jogo, do pós jogos. O auge pra esses caras que gostam muito de jogar e competir é durante o jogo. Isso é um diferencial. Tem uma frase engraçada que se diz quando se vai estar no jogo para esse perfil: ‘Hora da diversão!’ e o jogo é isso, a diversão.