Por Marden Diller – Toda decisão de um torneio de Grand Slam é promessa de um grande duelo, em razão da dificuldade de atingir essa rodada. A final de Wimbledon no último domingo (14) foi muito além disso.
Um embate épico entre o suíço Roger Federer, dono de oito títulos no torneio britânico, e o sérvio Novak Djokovic, que até então possuía quatro títulos, ilustrou algo que vem se desenhando nas mãos de alguns jogadores da nova geração, como Stefanos Tsitsipas e Denis Shapovalov.
O tênis, como todo esporte, está em constante evolução, seja tecnológica ou em sua forma de jogar. Até os anos 80, era predominante o saque e voleio, nos anos 90, jogadores como Andre Agassi, Michael Chang, Jim Courier introduziram a disputa de pontos da linha de base e começaram a dar uma nova cara ao esporte.
Mas foi no meado dos anos 2000 que as mudanças mais significativas apareceram. O amplo domínio de Roger Federer ao longo da segunda metade da década o colocou como principal homem a ser batido, algo que Rafael Nadal fazia com certa facilidade dominando o jogo da linha de base, favorecido pelos modernos equipamentos e um porte atlético invejável.
Essa rivalidade ditou o ritmo de uma geração de atletas, mas foi em 2011 que um jogador levou o jogo da linha de base a um novo nível. Utilizando uma empunhadura que o permite encontrar ângulos absurdos, com um preparo físico praticamente perfeito e o mental sólido como uma rocha, Novak Djokovic ditou uma Nova Ordem no circuito profissional.
O domínio do sérvio no fundo de quadra foi tão absurdo, que ele praticamente neutralizou o jogo de Roger Federer, tendo um retrospecto de 21 vitórias em 30 partidas contra o suíço desde 2011, sendo quatro vitórias e nenhuma derrota em finais de Grand Slam. A diferença de idade também conta bastante, são 6 anos a mais para o suíço.
Entretanto, mesmo acima dos 30 anos, o suíço buscou se reinventar, atuando com novos treinadores como Stefan Edberg e Ivan Ljubicic, trazendo um jogo repleto de variações, abusando da rede e, ainda assim, sustentando trocas de fundo de quadra, o que lhe permitiu retornar ao posto de número 1 do ranking, em 2017, e sustentar-se no top 3 até os dias de hoje.
É justamente isso que a final de Wimbledon nesta temporada fala sobre o futuro do tênis. Com 37 anos de idade, a menos de um mês de completar 38, Roger Federer conseguiu fazer frente — e estar a um ponto de vencer — um dos maiores dominadores da linha de base de todos os tempos. Mas, qual é a mágica?
O maior trunfo do sérvio em seu jogo é a regularidade. Ainda que não esteja em um de seus melhores dias, seu mental consegue desgastar os demais jogadores, que buscam jogadas mais arriscadas e cometem mais erros, pois se jogarem o feijão com arroz serão derrotados. Federer sabia disso, e foi pelo caminho contrário.
Durante toda a partida, o suíço abusou de variações e buscou a rede sempre que pôde, foram 51 pontos conquistados em 65 subidas, um índice de acerto de 78%. O sérvio, por sua vez, fez 24 pontos em apenas 38 subidas, na superfície que consagrou o jogo de saque e voleio. As variações também renderam mais bolas vencedoras, foram 94 contra 54 do sérvio, mas o preço pago por arriscar também foi alto, 62 erros do número 3 contra 52 do número 1.
Outro detalhe interessante, e que fala muito sobre as demandas do jogo de fundo de quadra, são os placares dos sets da partida. Djokovic venceu o primeiro set, extremamente disputado, em um tie-break marcado pela afobação do suíço e pela calma do sérvio. No set seguinte, como muitos tenistas fazem, caiu um pouco de intensidade e viu o suíço vencer tranquilamente o set seguinte por 6/1.
Isso se dá, muito em parte, pela necessidade de intensidade e concentração que o estilo de jogo do sérvio, assim como o de Rafael Nadal, exige. É preciso ter muito mais paciência, concentração e foco para trocar 20 bolas do fundo de quadra e esperar o adversário errar ou encontrar algum caminho de você mesmo fazer o ponto, do que sacar, trocar duas bolas e botar a cara na rede para volear. Esse também é um dos segredos da longevidade de Roger Federer.
Esse panorama se repetiu no terceiro e no quarto sets, seguindo exatamente a mesma premissa. É claro, que esse tipo de análise feita nesse texto é superficial e leva em conta apenas a demanda de cada estilo de jogo. Uma final de Grand Slam envolve muito mais sentimentos.
Por fim, Federer conseguiu uma quebra de saque, seguindo à risca a estratégia. No game seguinte, teve dois match-points. Neste ponto, seu jogo lhe deixou na mão. Como um estreante nessas situações, o suíço sucumbiu à afobação e ao nervosismo. O peso da — provável — última chance de vencer um Grand Slam, dos 37 anos de idade, das 1222 vitórias e dos 21 anos de carreira foram grandes mais para seu mental.
Do outro lado da rede, Djokovic reuniu um pouco do frescor mental que ainda lhe restava e rifou, fez o que sabe fazer de melhor, desmontar voleadores despreparados dominando pontos do fundo de quadra. Neste ponto a mesa virou completamente, o sérvio tinha um novo vigor, esteve a dois pontos de voltar para casa com o vice-campeonato e agora estava tudo empatado novamente.
Esse é um dos motivos pelos quais é tão difícil derrotar esses caras em partidas tão importantes. Ainda que estejam no limite do mental, sempre tem algo a mais lá no fundo que eles encontram sempre que precisam. No tie-break final, novamente, um Federer precipitado e errático não conseguiu fazer o que havia feito nas quatro horas anteriores.
Me arrisco a dizer que, diante do que o próprio suíço diz sobre estar jogando um dos melhores tênis de sua vida, o Federer de 32 anos certamente não venceria o Djokovic de 32 anos nesta final, mas o Federer de 37 anos com a cabeça de 32 provavelmente não teria deixado escapar duas chances de fechar a partida. Afinal, além dos 5 anos — 6 no dia 8 de agosto — de diferença, a cabeça do suíço carrega o stress mental de aproximadamente 400 vitórias a mais que o sérvio.
O que eu vejo é que Federer mostrou o caminho das pedras para a superação do jogo dos grandes ‘baseliners’, como dizem no inglês. Alguns nomes como Stefanos Tsitsipas, Karen Khachanov e até mesmo Alexander Zverev já conseguiram fazer frente, e até mesmo superar, o jogo do sérvio em momentos decisivos — Zverev na decisão do ATP Finals 2018 e Khachanov na decisão do Masters 1000 de Paris.
A nova geração vem com uma proposta de jogo que pode mudar a cara do tênis como conhecemos nos últimos 20 anos. No entanto, vencer esses caras no jogo pode ser uma fórmula de bolo, de certo modo, simples de seguir, mas fazer frente à capacidade mental desses grandes vencedores ainda é o desafio supremo, pois não basta simplesmente anular seu jogo, é preciso anular totalmente qualquer centelha de confiança, uma missão quase impossível diante de caras que venceram 20, 18 e 16 títulos de Grand Slam.
De um modo ou de outro, a próxima década mudará a cara do tênis masculino. Fica apenas nas mãos da nova geração e de Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic em que momento dos próximos 10 anos o bastão da dominância da ATP mudará de mãos.