Por Marden Diller – Fazendo seu penúltimo torneio na carreira, André Sá foi homenageado nesta sexta-feira no Rio Open. Após a solenidade, o mineiro participou de um bate-papo descontraído com a imprensa, onde falou sobre um lado de Thomaz Bellucci desconhecido do público.
A conversa teve início com Sá falando sobre os momentos complicados da vida de tenista, como derrotas após ter match-points, falando sobre sentimentos em partidas distintas, além de traçar um comparativo com seu pupilo.
“Aconteceu isso agora, com o Bellucci. Imagina como ele tava no vestiário depois de perder um jogo com 7/6 4/0. Jogo no Brasil, voltando de uma suspensão, uma semana especial, nervosismo à flor da pele, não conseguiu jogar bem e mesmo assim se colocou numa posição de ganhar o jogo e tomou uma virada dessas... Além de perder 5 kg em suor né? O cara já chega ao vestiário totalmente cabisbaixo. E aí você vai falar o que?“, comentou. “Essas próximas duas horas, ali depois da derrota, até puxar um assunto, dar um sorriso e falar alguma coisa fora do tênis, parece que morreu a família inteira dele. O cara foi no carro assim todo cabisbaixo voltando para o hotel. Esses momentos são horríveis", revelou o agora treinador demonstrando em gestos a postura corporal de tristeza e frustração de seu pupilo.
"Seria melhor o Bellucci ter perdido por 6/2 6/2. É esse tipo de derrota sofrida que te mata emocionalmente”, disse Sá, ao ser indagado sobre o que pode ser feito, por ele enquanto treinador, nestes momentos. “Você tem que esperar, eu sempre falo pra ele assim: ‘Cara, quando você iniciar a conversa, eu sei que você está pronto pra falar’. Se eu ficar instigando, ele continua com a guarda alta, eu vou falar e vai entrar por um ouvido e sair pelo outro. Então, eu já deixo bem claro que quando acontecerem coisas assim, eu dou o espaço dele e quando ele vier a mim, aí sim conversamos", completou.
"E aí, alguns dias depois, que eu tenho que voltar no jogo e mostrar pra ele. Tenho que voltar e fazer a minha leitura, principalmente da linguagem corporal dele. Muitas vezes estamos ali analisando as partidas e ele fala ‘ah, errei essa bola’ e eu respondo ‘mas olha sua postura, parece que você tá errando de propósito. Você não tá presente no momento, você não tá concentrado. Não é que você errou porque sua direita está ruim, foi porque você não estava focado no momento'".
Sobre desfrutar mais em quadra, Bellucci sabe que Sá entende como ele se sente: “Por isso, que eu já conversei com ele antes: ‘Eu sei como é essa sensação, porque já passei por isso, já levei viradas assim, já perdi tendo match-points. Então, a melhor maneira é essa, quando você estiver pronto para falar: inicia a conversa. Mas você precisa ter maturidade para começar, senão fica todo mundo sem se falar até o dia seguinte’”, explica.
“Esse lado emocional é difícil, porque eu ainda estou o conhecendo. O Thomaz Bellucci jogador eu conheço, todo mundo conhece, já joguei com ele várias vezes. Já o Thomaz Bellucci como pessoa é uma coisa completamente diferente. Os traumas, as coisas que ele tem de infância, isso que eu estou começando a conhecer agora. Como em Buenos Aires, passamos 10 dias juntos, almoçando, jantando, depois no quarto todos os dias. Daí uma hora ele solta ‘quando eu tinha sete anos aconteceu isso’, e daí você vai criando a persona do cara e começa a pensar em como você pode ajudar esse cara”.
Como exemplo dessa questão emocional de Bellucci, Sá usou sua partida de estreia no Rio Open contra o italiano Fabio Fognini, na qual virou um set que perdia por 5/2 e acabou levando uma virada após abrir 4/0 no segundo set.
“Nós chegamos até o 4/0 com o cara errando tudo. Eu lembro que comentei com o Balboa [amigo de Sá]: ‘Cara, olha a situação do jogo, tá 7/6 4/0, ele sendo regular e esperando o erro do adversário. Só que agora ele tem que ganhar o jogo, não é só esperar o relógio chegar à zero. Esse momento é difícil, porque o outro cara já entregou pra Deus, ele não vai errar mais’. E foi o que aconteceu, o cara parou de errar e o Thomaz tentou continuar regular, mas se o cara para de errar você tem que definir. E aí como você é agressivo sem errar? Essa é a combinação mais difícil do tênis. Ele ainda aguentou uma pressão incrível no 4/4, salvou dois breakpoints, ganhou o game e em seguida abriu 0/30 e ficou a dois pontos de ganhar o jogo. Daí o cara foi lá e jogou bem de novo quatro pontos seguidos. Aí o emocional vai embora, só [Roger] Federer e [Rafael] Nadal que aguentam isso”, explicou.
“O que eu estou procurando fazer com ele é simplificar as coisas. O cara tem todos os golpes, pra ficar de igual pra igual com qualquer um. Em Buenos Aires, por exemplo, ele enfrentou o Schwartzman na melhor fase da vida dele, na casa do cara, venceu o primeiro set e aí teve um lapso e perdeu dez pontos seguidos no segundo set. São essas coisas que ele precisa entender e é aí que eu quero trabalhar, quero falar pra ele ‘joga assim, executa isso. Porque se você errar executando isso não tem problema, ninguém é perfeito. Mas você não pode errar as jogadas, a sua intenção tem que ser perfeita’. Isso que estou buscando dele, e para isso precisamos de tempo para entrar na cabeça dele e ganhar jogos. Isso demora, mas ele vai pegar. O problema aqui é que ele estava super nervoso, foi o pior jogo que ele fez nesses três torneios. Toda a expectativa de jogar em casa, no Rio de Janeiro, todo o nervosismo dele. Sacou muito mal e isso não é falta de golpes, é nervosismo e ansiedade”.
Ao ser questionado se a imagem que tinha do jogador Bellucci é diferente da 'persona' Bellucci, Sá usou como habitualmente de sua sinceridade: "Muito. Eu começo a aprender, né? Aprender porque ele é assim, porque se comporta assim. Vou dar um exemplo fantástico, estávamos treinando em São Paulo e fomos ao cinema, eu e ele, assistir àquele filme ‘Extraordinário’, que conta a história de um menininho que tem uma deformação (sic). Aí estávamos ali e tal, acabou o filme... Tenho, que acompanhar né? Faz parte”, comentou, provocando risadas nos presentes. “E tem uma parte no filme que o menininho fala: ‘a pior hora da escola é o recreio’, porque é onde está todo mundo e todo mundo da escola o vê e ele se sente mal. E aí voltando, no carro, ele virou pra mim e falou ‘viu aquela cena? Comigo era a mesma coisa. Quando eu tinha 12, 13 anos, eu viajava muito para jogar torneio juvenil e não conseguia fazer amizades. E aí eu ficava sozinho, sentado num canto’. Nisso, você entende o porquê a socialização talvez não seja tão natural para ele. Aí você entende, em vez de julgar antes. Ninguém nunca sabe dessa história. Eu também não sabia e ficava falando pra ele: ‘Cara, você tem que ser mais extrovertido, falar mais com teu público’. Não é natural para ele, então, eu tenho que coordenar e ir aprendendo com isso. Agora eu falo: ‘cara, você tem que entrar de uma maneira diferente, eu sei que é difícil para você, mas você precisa fazer’. Esse lado dele eu não conhecia, e por causa de uma boberinha, um cinema, eu conheço ele de uma maneira muito mais profunda que antes. O que eu tenho de extrovertido, de conversar, de quebrador de gelo talvez seja o que ele precisa. Ele precisa daquele amigo que puxa todo mundo pra farra, talvez seja isso que ele precisa”.
Muita gente cobra do Thomaz ser ou tentar chegar perto do Guga. Além da cobrança dentro de quadra, existe essa cobrança fora de quadra pra ele ser uma pessoa que ele nunca vai ser.
“Eu sempre falo isso pra ele: ‘Pelo menos você é autêntico, você não muda quem você é pra agradar as outras pessoas’. Eu não acho isso legal. Exemplo maior que eu tenho é Federer e Nadal, são pessoas incríveis, todos gostam deles. Agora, o [Novak] Djokovic já não é, daí ele tem atitudes que não são legais. O cara chega agora na Austrália e fala: ‘Tradição, passar chocolate para a imprensa’, isso não é legal, é ele tentando ser alguém que ele não é. O que eu falo pro Thomaz é isso: ‘Demonstre um pouquinho de entusiasmo, quando você fala, quando você cumprimenta as pessoas, quando uma criancinha pede uma toalha’. Nisso vamos trabalhando, vamos trabalhando”, finalizou.