Por Ariane Ferreira - Daniel Melo, irmão e treinador de Marcelo Melo, conversou por telefone com o Tênis News e falou sobre a melhor temporada da irmão, novos objetivos, revelou segredo das principais duplas do circuito e criticou o trabalho de base do Brasil
Tênis News: Após um inicio de ano não muito legal, Marcelo e o Kubot finalizaram o ano como a melhor dupla. Qual o saldo da temporada?
Daniel Melo: Acho que a coisa mais importante foi ter encaixado o sistema de jogo a partir de março. Esse entrosamento é o que mais importa.
De saldo, 2017 é a temporada mais positiva da carreira do Marcelo. Ainda mais positiva que 2015, quando ele venceu seu primeiro Slam (Roland Garros) e foi também número 1 do mundo. Agora, eles conseguiram finalizar o ano como a melhor dupla do ano, o Marcelo no número 1. Esta temporada é a mais positiva porque teve mais títulos expressivos [três Masters 1000]. Tudo jogando contra grandes duplas.
TN: E qual a falha ou falhas você, enquanto treinador, identifica na dupla?
DM: Uma falha é difícil de apontar, principalmente que quem está de dentro, mas a falta de entrosamento dos dois no inicio da temporada foi realmente um problema. Com a rotina de estar juntos, de utilizar a equipe multidisciplinar que ambos têm, muita conversa e treino,foi nisso que se encontraram e depois engrenou.
TN: Percebe-se um alto nível nas duplas formadas pelos 20 melhores do mundo. O que os diferencia dos demais?
DM: A principio na parte do profissionalismo, nós e mais uns quatro times. São equipes completas, com fisioterapeuta, preparador físico, lógico o treinador... é todo um trabalho em equipe multidisciplinar. Acaba que isso diferencia esses times dos demais. É um investimento, isso fica muito claro nas simples, mas nas duplas tem tido efeito. A gente, os irmãos Bryan, mesmo a dupla do Bruno [Soares e Jamie Murray], os franceses [Nicolas Mahut e Pierre Hugues Herbert]... Esses times estão sempre viajando com treinador, todas as semanas, daí um período leva o preparador físico, no outro o trabalho de fisioterapia. É tudo muito importante.
Esse profissionalismo vem da dedicação de ser da duplas. Tem muita gente que não tem nas duplas sua prioridade, mas competem, alguns têm grandes resultados, mas o trabalho não é específico pra isso. Se a gente andar pra trás uns 10 anos, em 2007 no circuito de duplas não era nada assim. A coisa foi crescendo, os jogadores cada vez mais profissionais e foram identificando as necessidades de melhorias e dá certo pra um o outro aprende e por aí vai.
TN: Dá pra dizer que foi isso que catapultou Henri Kontinen e John Peers? São excelentes duplistas, vinham numa crescente, mas ninguém esperava um ano deles assim, com título de Grand Slam, título do ATP Finals e tudo mais.
DM: Claro. Eles esse ano mudaram todo o trabalho, têm uma equipe e começaram a viajar com um ex-jogador [O ex-top 15 nas duplas Jonathan Murray]. Essa vivência dele, o profissionalismo maior certamente rendeu a eles o excelente ano.
TN: E qual o ponto forte de Marcelo e o Lukasz? O que os torna diferentes das demais duplas?
DM: O equilíbrio entre eles. Muitas vezes, as duplas são de jogadores que jogam iguais, por exemplo: uma dupla de bons devolvedores. Marcelo e Lukasz são jogadores complementares. Lukasz devolve melhor que o Marcelo, faz o jogo de fundo de quadra. Marcelo, por sua vez, fecha muito bem a rede. Voleia melhor. Assim, ao encaixarem o jogo, tudo flui em quadra.
TN: Em conversa com o Tênis News, o Marcelo Demoliner nos comentou que para ele a ATP não vê o circuito de duplas como viável e apto pro marketing. É claro que a visão dele é diferente, não está no top 20 e tudo mais. Mas como você vê isso?
DM: Sem entrar no mérito da declaração do Demoliner. É a visão dele. Eu vou te falar a minha. Eu vejo a ATP trabalhando com os jogadores tentando melhorar as condições dos jogos, a promoção do circuito, mais jogos têm sido televisionados e nesta coisa de pensar mudanças para 2019, a ATP também tem pensado nisso.
O que a gente tem ciência é que nunca a dupla vai acompanhar simples. Na parte de público, apelo da mídia... Mas é um trabalho em conjunto que aos poucos têm sido feito. Alguns diretores de torneios não gostam tanto de duplas. Mas nós vemos jogos de duplas tem muita gente para assistir. Em Paris teve duplas na quadra central sem os franceses e a quadra lotada.
Desde que o ranking de simples passou a ser aceito para as chaves de duplas, a participação dos jogadores de simples aumentou. A competitividade e atratividade também. Vejo um crescimento e a possibilidade de crescer mais. O circuito de duplas está tomando seu espaço.
TN: Como foi pra você, não como o irmão mais velho celebrando a conquista do irmão mais novo, mas sim o treinador, ver o Marcelo conquistando Wimbledon?
DM: Foi algo muito especial. Lógico que pelo lado pessoal, mas por tudo. Eu já joguei e as pessoas que acompanham tênis conhecem a importância de Wimbledon, não preciso nem falar disso. O Marcelo, apesar de que aqui no Brasil a gente sabe tem poucas quadras de grama, tinha o sonho de ganhar lá. É um evento que combina com suas qualidades técnicas.
Além disso, a forma como as vitórias vieram, em jogos muito duros. Cinco sets. Isso foi deixando a gente mais ansioso e principalmente como foi o último jogo, com as duas duplas tendo chances, até o quinto set. Foi incrível! É difícil explicar.
TN: E o que deu essa força para eles conquistarem o torneio?
DM: O fato de terem conquistado Halle [Alemanha] e 's-Hertogenbosch [Holanda] deu confiança. Foi importante. Além disso, o profissionalismo, a junção das equipes e a vontade de conquistar algo. Tudo isso ajudou nos momentos mais duros em Wimbledon.
TN: E treinar duplas é diferente?
DM: Cada um tem sua forma de trabalhar. Vai muito disso e da receptividade do jogador. Eu sou dos poucos, desde 2007, totalmente dedicado à duplas. Isso nos deu experiência, a gente foi errando e acertando, aprendendo e criando um jeito de jogar.
No nosso caso, nos adaptamos ao parceiro. Esse é o princípio para tentar fazer dar certo.
TN: Quer dizer que o treinador de duplas é meio que um terapeuta de casais?
DM: Ah! Todo treinado tem um pouco dessa parte. Não apenas nas duplas, ou tênis, acredito que seja assim no vôlei e outros esportes; A gente convive muito com jogador e ter isso é importante.
TN: Apesar de eu não ver uma aposentadoria em breve para o Marcelo e nem uma separação para vocês. Mas assim, conversei no inicio deste ano com o Federico Marques, treinador do João Sousa, e ele me contava que quando viu a necessidade de um aprimoramento como treinador buscou um trabalho em uma academia em Barcelona, curiosamente a do Francisco Roig treinador do Nadal. Você tem pensado nisso? Tem outros planos? Como se aprimorar?
DM: Também não vejo uma aposentadoria para o Marcelo tão cedo. A gente está tentando remanejar, eu também não penso em apenas ficar nas duplas, mas não é algo a curto prazo. Não descarto ir trabalhar com simples e aí, neste caso procurar um aprimoramento, experiência com outras pessoas. Inclusive, trabalhar com o capitão da Copa Davis tem me ajudado a entender também essa dinâmica.
Mas a coisa do buscar aprimoramento eu vejo necessária ao ir trabalhar com simples. Nas duplas, como te disse, são muitos anos, experiência adquirida, coisas que buscamos e criamos. Graças a Deus a gente hoje consegue ter um trabalho referência para os colegas, o que é muito bom.
TN: Com esse quase 'boom' dos duplistas brasileiros nos últimos anos, muita gente acha que o Brasil precisa investir nisso na ocasião da formação dos jogadores. Formar duplistas. Como você vê isso?
DM: Acho que o Brasil precisa trabalhar na base. Falta esse trabalho de base. E outra, ninguém se dedica à dupla no inicio da carreira. Eu não acho que precise começar nisso de novo. O cara precisa trabalhar em simples, se constituir jogador, saber seu estilo.
O Brasil precisa de uma boa formação de base para ser um bom jogador de simples. Aí depois dos 20 anos, em alguns casos, o jogador percebe que pode ir melhor em duplas. Outros dedicam-se à simples. Tirando um jogador que se profissionalize após os 25 anos, é comum que se tente ir em simples até pouco depois dos 20.
TN: É nessa época que muitos até desistem.
DM: Sim, desistem porque não veem viável. Mas até para isso é bom ter uma boa base em simples.
TN: Quais as expectativas e planos para 2018 de vocês?
DM: O primeiro torneio do Marcelo será Sidney e aí eles já se preparam para o Australian Open. Os objetivos são os mesmos. Buscar títulos importantes, tentar um Finals de Londres que já batemos na trave duas vezes.
TN: Você vê que Marcelo e Lukasz chegam em Melbourne podendo levar o título?
DM: Sim, totalmente. Vamos lá para conquistar o título. Pelo piso e estilo dos dois, um título na Austrália ou mesmo no US Open são possíveis e nós vamos buscar isso.