Treinador de Beatriz Haddad Maia desde 2021, Rafael Paciaroni contou, em entrevista ao Blog Saque e Voleio, como domou a vaidade da tenista para levá-la ao top 15 mundial.
"Chegamos à África do Sul e no primeiro jogo do quali a Bia vence 12x10 no super tie-break, salvando um match point contra uma jogadora africana sem ranking. No jogo seguinte, uma vitória onde foi pouca exigida e o quali estava "furado". O sorteio das chaves trouxe outra brasileira como desafio na primeira rodada: Carol Meligeni. E eu sabia que esse jogo psicologicamente seria o mais complicado para a Bia no torneio, pois é sempre desafiador duelos nacionais, ainda mais entre jogadoras que possuem a mesma idade, que dividiram quadra tantas vezes e que se conhecem bem. O motivo, a meu ver, deste fator extra de complicação, é a vaidade", contou o treinador.
"Não só. A Carol vinha treinando bem e estava preparada para o desafio (acho que ela nunca havia vencido a Bia até aquele dia). Se não me falha a memória, o jogo começa e a Bia faz 4x1 jogando um bom tênis. Minutos depois, o set estava no tiebreak. Bia venceu 7x6. Começa o segundo set 1x0 para a Bia quando ela começa a não correr nas bolas e a andar com dificuldade. Após alguns pontos assim, ela vira para mim com um olhar apavorado e diz "estou sentindo câimbras"; eu respondo "sem problemas; este tipo de câimbra passa; já vivenciei este cenário antes; segue jogando". Minutos depois: 6x2 para a Carol. Terceiro set começa e a Carol abre 2x0. O jogo para 30 minutos devido a raios na região. Era o nosso (meu e da Bia) primeiro torneio oficialmente juntos, mas eu enxerguei ali uma oportunidade de começar o trabalho corretamente e mostrar para a Bia por que eu colocava minha mochila nas costas. Nesta pausa, eu disse para ela: "Eu te estudei muito para chegarmos aqui hoje. Suas câimbras anteriores nunca tiveram uma relação entre elas. Você teve problemas em local úmido, em local seco, nível do mar, altitude, com pequena duração do jogo, média duração, contra adversárias que jogam rápido, adversárias que jogam com volume, ou seja, não é fisiológico. Você não está usando nenhum medicamento que pode causar câimbras; seus exames todos (que fizemos para a pré-temporada) mostram que não há defasagem de algum nutriente; não possui problema ortopédico; ou seja, Bia, a tensão vem de se pressionar muito e estar com os pensamentos errados na cabeça (foco no resultado e não no processo). Ou seja, Bia, essa câimbra é oriunda da fórmula do fracasso: insegurança alta + vaidade alta. Portanto, não me interessa onde você está com câimbra, você vai voltar para essa quadra, terminar o jogo, bater na mão dela, dar os parabéns pois ela é muito trabalhadora e merecedora e depois faremos juntos um exercício."
Paciaroni contou que após o jogo, onde Bia perdeu, levou ela para baixo de uma árvore: "Procurei uma árvore (o dia já estava lindo outra vez), pedi para a Bia se sentar; pedi para que ela abrisse o seu celular e que juntos olharíamos todas as mensagens que ela recebeu sobre o jogo, todos os comentários que estavam escrevendo sobre ela nos sites de tênis, no Instagram, entre outros, após a derrota. Mostrei que se receber elogios era um combustível importante para seguirmos firmes no caminho adiante, precisaríamos conviver abertamente com as críticas. Porém, lembrei que, infelizmente, o cérebro humano valoriza muito mais o lado negativo que o positivo. Porém, lembrei que, infelizmente, o cérebro humano valoriza muito mais o lado negativo que o positivo. Por exemplo, se tenho um milhão de reais e faço um investimento e meu patrimônio vira dez milhões, fico muito feliz. Resolvo seguir em frente e tentar fazer os dez milhões virarem vinte, mas fracasso e os dez milhões viram quatro milhões; para o nosso cérebro, não importa se tínhamos um e agora temos quatro (lucro). Importa que tínhamos dez e agora temos quatro. Ou seja, é necessário um trabalho para desconstruirmos esses pensamentos e passarmos a lidar melhor com os desafios do caminho. E este caminho, para ser bem trilhado, é preciso se expor, assumir riscos, focar no processo e se blindar daquilo que não agrega nada ao dia a dia; ou seja, é preciso trabalhar mais e consumir menos. É preciso caminhar na direção do "mono foco". A Bia escutou tudo atentamente, um pouco assustada, com os olhos com lágrimas, mas não questionou uma vírgula e no dia seguinte estávamos cedo em quadra, construindo o novo caminho".
Paciaroni seguiu contando sobre o processo e as primeiras conquistas em torneios de US$ 25 mil onde cita "vaidade baixa e trabalho duro".
A dupla fez 17 finais entre simples e duplas somando quatro títulos de WTA, dois deles em simples.