Por Ariane Ferreira – O argentino Marco Trungelliti tem protagonizado histórias peculiares no tênis, em 2018 foi o lucky-loser que viajou 10 horas de carro para a disputa de Roland Garros. Agora, ganhou as manchetes por relatar uma máfia de apostas.
Trungelliti abriu o coração e “tirou uma mochila pesadíssima das costas” ao revelar ao jornal La Nación, que em junho de 2015, recebeu uma proposta para vender o resultado de uma partida, acabou juntando algumas pequenas informações e realizou a denúncia para a Unidade de Integridade do Tênis (TIU), que é o procedimento correto a ser feito de acordo com as regras do compromisso anticorrupção que todo tenista profissional assina com a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP).
Mas o que o argentino não sabia é que agir de maneira correta tornaria sua vida no circuito complicada, acabaria com suas horas de sono e minaria, aos poucos, sua vontade de fazer o que mais gosta: jogar tênis.
O episódio que acabou se tornando um “drama” na vida de Trungelliti, ocorreu em junho de 2015, após ele cair na final do quali de Roland Garros e retornar à Argentina. Ali, no boêmio bairro de Belgrano na capital portenha, foi abordado por um estranho em um bar, recebeu a proposta e mesmo a negando, viu-se obrigado a eliminar suas redes sociais, restringir seus contatos via Whatsapp e realizar a denúncia, que teve como desdobramento o julgamento de três de seus compatriotas: Nicolas Kicker, Patricio Heras e Federico Coria.
Ao jornal, o argentino contou que o TIU o obrigou a testemunhar, sem opções, e diante dos compatriotas: “Tive que denunciar o que aconteceu em 2015 na frente dos três. Foi horrível. Eu não era a única testemunha, mas seus advogados insistiam que eu testemunhava porque não me dava bem com eles, mas é mentira. Eu denunciei uma pessoa e esta pessoa estava ligada a eles”.
Marco Trungelliti passou a ser “perseguido” por parte dos colegas, de diferentes nacionalidades e apontado por muitos como traidor. As coisas foram ficando ruins, até que ele não conseguiu mais concentra-se em quadra, trouxe o caso à imprensa e tirou a semana do Rio Open para descansar e buscar a redenção pra si em São Paulo.
Na coletiva de imprensa sobre a vitória na capital paulista, Trungelliti não escondeu a emoção: “Estou muito feliz, porque antes de mais nada, pude competir, pois das últimas vezes estive bastante disperso por uma coisa da cabeça. Então, para mim foi muito importante. Este era o objetivo principal: poder competir e ter vontade de estar em quadra. Depois disso, ganhar ou não era secundário. Já que vencemos, que bom!”.
A reportagem do Tênis News se direcionou ao atleta para entender a situação e o encontrou sereno e convicto de sua decisão em denunciar. Trungelliti não titubeia de que fez a coisa certa e agora, após uns dias de descanso com a família, já consegue até dormir.
“Sim, estou dormindo melhor. Como eu disse, era importante para mim poder competir, hoje foi um exemplo muito claro. Eu pude manter-me estável por quase três horas. Já nos torneios anteriores eu sequer tive a possibilidade [de competir] sequer chegava [estável mentalmente] aos 15 minutos. Era indiferente se o adversário estava jogando bem, eu simplesmente não estava ali. Se eu tivesse ganhado algum destes jogos teria sido mais um fator sorte do que qualquer outra coisa. Foi um presente poder vencer. Te digo que mesmo que tivesse perdido, a sensação é completamente diferente, que basicamente estou de volta e que posso competir”, relatou sorrindo com bastante satisfação e aparente alívio.
A reportagem do Tênis News relatou uma observação feita por Leonardo Mayer, em conversa exclusiva*, sobre o caso em que pontuou que é da cultura argentina que “os culpados se vitimizem diante de uma punição” e questionou Trungelliti se vê as coisas do mesmo modo: “Sim. Acredito que este é um costume muito nosso. Para mim a coisa é bem clara: ‘se roubar é ruim, vender resultados de jogos também é’. Então, se alguém quer pensar de uma forma distinta, para esse alguém roubar está certo ou o que quer que seja. Creio que as coisas são muito simples e claras: ‘ou você rouba ou não’”.
“Para fazer as coisas do modo certo, é preciso trabalhar mais e muitas vezes a coisa é mais pesada no começo. Gosto de pensar que no final a verdade vence e espero que seja assim com tudo isso”, completou esperançoso.
Perguntamos ao argentino, se após o contato forçado com as máfias das apostas, ele acredita que isso é mais disseminado do que no tênis e no futebol, que é o que está sempre em discussão: “É entendível que no tênis é muito mais fácil [combinar resultado com apostadores], porque a disputa é um contra um. E é muito mais fácil convencer uma pessoa que toda uma equipe, mesmo que saibamos que já aconteceu no futebol”.
“Tomara que não! Que estas coisas não aconteçam em outros esportes. Mas aí, cabe aos atletas dos outros esportes, se há algo parecido, seria bom que eles também denunciassem. Porém, isso depende se eles têm um órgão [interno] que seja o responsável de denúncias ou não. Terão que solucionar isso ou não”, completou.
O presidente da Associação Argentina de Tênis (AAT), o ex-top 16 Agustín Calleri declarou à imprensa local que havia procurado Trungelliti para manifestar apoio e trocar ideias sobre possibilidades de melhorias. Questionamos o tenista sobre o tema: “Calleri me ligou, me disse que quer implantar um programa com uma espécie de orientação para os meninos para dizer o que podem ou não fazer. Pra mim, se sair do papel, será fantástico. Este tipo de coisa acontece por “não ter conhecimento”. Não ter conhecimento se está tão ruim… [pausa] Cada um se convence como quer, né? Agora, se [Calleri] organiza um programa e o coloca em prática, acho que é sim muito importante”.
Esta reportagem ainda apurou que a 'Máfia' que contatou Trungelliti é de atuação comprovada no país vizinho e segue alvo de investigações no TIU. O próprio tenista chegou a denunciar uma segunda suspeita de contato, feito via rede social, que foi investigada e arquivada pela Unidade de Integridade do Esporte.
* A entrevista exclusiva com Leonardo Mayer será publicada em breve.
Para ler o relato completo de Trungelliti sobre a sequência dos fatos ocorridos em 2015 e o julgamento dos compatriotas em 2018, clique aqui - conteúdo apenas em espanhol.
FOTOS: Marcelo Zambrana/DGW Comunicação