Por Ariane Ferreira - Medalhista de ouro no Pan-Americano de Santiago, no Chile, em simples e duplas, a paulistana Laura Pigossi sonha com um 2024 ainda mais dourado. Dias após as conquistas, Laura recebeu o Tênis News em São Paulo para uma conversa sobre carreira e sonhos.
Dona de uma medalha Olímpica histórica para o tênis brasileiro, o bronze em Tóquio 2021, Laura Pigossi era apenas alegria dois dias após o final de semana mais dourado de sua carreira. A paulistana nos recebeu na academia Play Tennis, onde treinou por 6 anos antes de se mudar para a Espanha há 8 anos. Ela havia passado parte daquele dia ao lado da parceira em Tóquio e Santiago e uma de suas melhores amigas, Luisa Stefani, e tinha no peito orgulhosa suas conquistas.
Com uma fala objetiva e sincera, a número 2 do Brasil e 134ª do mundo nos contou sobre seu começo no tênis, seus sonhos, obstáculo, inspirações, conquistas e objetivos. "2024 vai ser o meu ano", destaca ela que está focada nas Olimpíadas de Paris.
TN: Vamos começar do seu começo: Por que a Laura começou a jogar tênis?
Laura Pigossi: Eu comecei a jogar quando tinha 6 anos, basicamente porque meu irmão começou a jogar tênis. Ele sempre foi meu herói e eu sempre queria fazer tudo que ele fazia, mas eu queria fazer melhor e queria ganhar dele, porque eu sou muito competitiva.
Então, assim, ele começou a jogar futebol, fui jogar futebol. Ele começou aula de inglês, fui para a aula de inglês, começou a jogar tênis, eu queria jogar tênis. Então começamos a jogar juntos e comecei a me encantar pelo esporte. Eu gostava muito por ser um esporte individual, porque quando eu jogava futebol, muitas vezes uma não aparecia, tinha torneio e a outra não vinha.. então comecei a ir mais pelo tênis por depender mais de mim.
Comecei a jogar torneios com 8 anos, aqui em São Paulo. Com 9 comecei a jogar brasileiros, aos 14 foram os internacionais pela América do Sul (Cosat) e fui progredindo até jogar torneios internacionais, que é onde estou hoje.
Foi por causa do meu irmão. Não temos ninguém da família que jogou tênis ou que foi do esporte. Meu avô jogava bastante futebol, mas nunca foi profissional.
TN: Desde o começo você teve o pensamento 'Se eu quero vencer, tenho que fazer eu mesma?
Laura Pigossi: Acho que sim. Eu sempre fui muito trabalhadora e disciplinada, esse é um dos meus pontos fortes. Sempre tive muito claro que queria ser tenista profissional, desde os 12 anos de idade. E comecei a trabalhar para isso desde que era pequena e sonhar com isso desde pequena.
TN: Quem eram os seus modelos?
Laura Pigossi: Eu era apaixonada no (Roger) Federer, (Maria) Sharapova, Serena Williams... (Rafael) Nadal veio um pouco depois. Guga (Kuerten). Até de outros esportes, eu gostava muito do Bruninho (Bruno Rezende, levantador da Seleção Brasileira de Vôlei), fui vê-lo jogar no Ibirapuera.
Quando eu tinha uns 16, 18 anos eu era apaixonada na Victoria Azarenka. Eu adorava a maneira como ela jogava, com intensidade, lutava por todos os pontos, vibrava... eu gostava da energia dela em quadra e a maneira como jogava. Muita gente dizia que ela era arrogante, mas para mim ela era minha ídola e eu adorava a forma como ela jogava.
TN: Você citou o Bruninho e ele foi uma das pessoas públicas que comemorou seu ouro em Santiago. Você viu? Como você se sentiu?
Laura Pigossi: Eu o conheci em Tóquio. Fiquei muito feliz. E ele foi uma das pessoas que estavam muito próximas da gente lá e sempre que tínhamos jogos, ele vinha falar com a gente que podíamos conseguir a medalha, que estávamos indo super bem e pra mim era: 'Se ele está falando que eu posso e é meu ídolo, eu posso!' (risos).
Eu não sei se ele sabe o quanto ele me influenciou quando eu era pequena, mas gosto muito dele, do atleta que ele é. Quando eu era pequena eu queria jogar as Olimpíadas pelo fato de eu ter visto ele jogar. Ele me inspirou muito quando eu era pequena.
TN: Queria conversar com você sobre a declaração de que seu objetivo era conquistar uma vaga olímpica por 'mérito próprio'. Normalmente, um tenista tem objetivos no circuito, tipo, entrar no top 100, top 50...torneios. Tudo de acordo com os próprios limites para subir mais. Por que uma Olimpíada?
Laura Pigossi: Acho eu tive uma experiência tão gratificante, acho que mudou tanto a minha vida em vários aspectos. Acho que por causa das Olimpíadas, eu abri minha cabeça e consegui cruzar barreiras, a nível pessoal e na minha carreira, em níveis que a vida inteira não tinha conseguido cruzar.
Foi uma motivação muito grande. Sou muito patriota. Amo jogar pelo Brasil, eu realmente me transformo em qualquer competição em que eu esteja vestindo as cores do Brasil ou torneios que são no Brasil. Quando eu era pequena e comecei a jogar os (ITF US$) 25 mil, que me deram convite, eu fui super bem também. Quando eu era pequena, os torneios em que mais me destaquei foram na minha casa.
E eu acho que tem motivo para tudo, e o fato de eu ganhar esse panamericano, com certeza, vai abrir portas que não abri antes. Acho que uma coisa leva a outra.
Desde pequena tenho apreço pelas Olimpíadas. Jogava no videogame, e brincava na praia e no gramado: salto em distância, quem corria mais rápido e era muito competitiva. São brincadeiras de criança que são fortes no sub consciente da gente. São memórias que amo e tenho carinho mais especiais.
TN: Pergunta feita, porque muita gente escolhe disputar Jogos Olímpicos por conta de algum atleta...
Laura Pigossi: É algo que eu entendo muito e sei da força de mudança que tem uma pessoa que ganhou uma medalha olímpica, que é atleta profissional, falar pra uma criança que ela também pode. Eu sei o quanto falar isso pode mudar e influenciar a vida de uma pessoa.
Então, eu tento falar isso para os menores, principalmente com as juvenis do tênis. Sempre que estou no Brasil, que jogo algum torneio, tento treinar com elas, aquecer com elas. Eu nunca treino com uma menina que esteja 120 do mundo porque você jogar com elas. Talvez me interessaria treinar, sim e não. Eu gosto de fazer essa parte e tentar inspirar as menores a conseguir as coisas. Porque pode mudar o fato de uma medalhista olímpica te dizer isso, pois senti na pele a diferença.
TN: A estrutura do tênis hoje permite com que vocês tenham melhor contato com as juvenis?
Laura Pigossi: Sim. A Confederação faz vários encontros durante o ano. Este ano tivemos um antes do torneio de Feira de Santana (Bahia), que eu não consegui participar porque estava machucada, daí fui direto para o torneio. Lá, eu treinei com a Pietra (Rivoli), a Olívia (Carneiro), a Bel (Isabelle Karam), a Carol (Laydner)...treinei com todas elas porque é importante pra mim estar com elas.
Inclusive, na semana seguinte a Carol, que é juvenil acho que acabou de fazer 16 anos, venceu um super jogo de uma menina e foi a primeira vez que venceu um jogo num US$ 80 mil. Talvez tenha sido ou não, o fato dela ter treinado com a menina que ganhou o torneio passado e lhe deu a confiança e ela fez 7/6 7/5 contra uma menina que eu fiz a final de um US$ 60 mil e está 200 do mundo.
TN: Então, você se sente responsável por passar esse legado.
Laura Pigossi: Com certeza! É uma das coisas que eu e as meninas, a Bia (Haddad Maia), Luisa (Stefani), Carol (Meligeni Alves), vem tentando fazer. Na Billie Jean King Cup a gente sempre pede para trazer as juvenis, que queremos treinar com elas, que elas têm que ver não só a gente jogando, mas nossa rotina e no que somos profissional, o que comemos, coisas pequena. É a convivência. Todo mundo fala que para você ser campeão, tem de conviver com campeões.
Essa convivência faz muita diferença para ela e já começamos a ver melhoras. As juvenis estão começando a conquistar seus espaços.
TN: Na sua época de profissionalização, os destaques do tênis brasileiro eram a Paula (Gonçalves) e a Teliana (Pereira) o quanto, dentro da possibilidade delas, você teve esse auxílio?
Laura Pigossi: A Paulinha era uma das minhas melhores amigas e eu tive o prazer de poder jogar dupla com ela em muitos torneios e tínhamos uma relação bem próximas. A Teliana também, umas duas ou três vezes fui para Roland Garros e treinei com ela e sei que o quanto isso é importante. Sei o quanto me motivou treinar com ela numa quadra de Roland Garros para na semana seguinte voltar para um torneio de US$ 15 mil em Campos do Jordão e ganhar o torneio.
São aquelas pequenas coisas, pensar: 'Se a Teliana ganhou a primeira rodada de Roland Garros e eu treinei com ela, eu também posso'. Para na semana seguinte conquistar um título e dar um passo importante.
TN: Já tem 8 anos que você está na Espanha, um país em que há competição até no treinamento. Na época foi uma decisão corajosa largar tudo e ir. O que é que a Espanha está ensinando que o Brasil não está sendo capaz de ensinar?
Laura Pigossi: Não acho que nem é isso de 'não ser capaz de ensinar'. A gente tem a Bia que treina no Brasil, tem a Luísa que estava nos Estados Unidos e agora treina no Brasil, a Carol treina aqui.
Acho não tem a maneira certa e nem o que o Brasil não oferece. É a vida e o que é melhor pra cada um. A Espanha acabou me ensinando coisas que aqui no Brasil eu não conseguia. Eu era muito apegada a minha mãe, ela fazia muita coisa pra mim e quando fui pra fora tive que aprender a me virar sozinha. Na Espanha, eu também tinha a sorte de meu irmão estar lá e não era um lugar onde eu estaria sozinha, como se fosse uma semana a mais em torneio só que em casa. Não, lá é minha casa. Meu irmão, como já disse que ele é importante e me ajuda, é muito presente nessas situações até por ter jogado e ter trabalhado em torneios.
Pra mim, a Espanha funcionou por esse motivo, mas pode ser que não funcione para a Bia ou a Carol. Pra Carol funcionou a Argentina, o que lá tem de diferente da Espanha? Não sei. Talvez o fato dela lavar a roupa sozinha ou cozinhar quando chegou cansada do treino, tenha feito ficar mais independente e tomar melhores decisões em quadra.
Não tem certo e errado. É o que funciona ou não pra cada um.
TN: A depender das inscrições de duplas nos Jogos de Paris 2024, pode ser que tenhamos até a Ingrid Martins classificada e aí teríamos quatro brasileiras, olhando as classificações de ranking hoje. Como você se sente diante dessa possibilidade?
Laura Pigossi: A gente se conhece desde que tinha 8 anos de idade. A Bia e eu, acho, a primeira vez que a gente jogou ela tinha 8 e eu 10, e poder ver como cada uma cresce, da sua maneira e independente, e todas conseguiram chegar, onde queriam chegar. Acho isso especial.
Poder dividir essas sensações e o melhor torneio esportivo do mundo com elas, acho que é o mais especial. É como eu vejo.
A Luísa é uma das minhas melhores amigas e pra mim foi muito especial viver essa minha primeira oportunidade olímpica ao lado dela, mas a gente tinha todo o Time Brasil lá, do mesmo modo que tínhamos no Pan-Americano, não era só eu e a Luísa, a Carol estava junto. Estava a Roberta (Buzgali, capitã brasileira), o (Eduardo) Frick (chefe da delegação de tênis no Pan), o Rafa (Matos), Gustavo (Heide), Demo (Marcelo Demoliner)... estava todo mundo como uma grande família, em busca de um mesmo sonho. Todo mundo se ajuda e tem algo para aportar em determinado momento e acho que isso é o principal, um ajudando o outro a crescer e é isso que tem dado resultado.
TN: Você que esteve no Pan e os países mandaram seus principais tenistas ou jovens talentos. Como está o tenista sul-americano?
Laura Pigossi: Acho que ter a Bia, que estava no top 10, a Luísa, a Nadia Podoroska (argentina)... o tênis sul-americano vem rompendo várias barreiras e com isso, as meninas mais jovens passaram a acreditar que elas também podiam. Acho que a medalha (bronze do Brasil em Tóquio) também abriu portas.
E eu vejo muito bom o nível, principalmente essa peruana que eu joguei *Lucciana Perez), ela tem um nível incrível. Ela tem que amadurecer um pouco mais, é muito jovem, mas eu não tinha o nível dela quando era menor. Acho que tem tudo para ainda aumentar mais, tem muitas argentinas vindo e jogam super bem. A América do Sul também tem feito mais torneios, o que dá mais possibilidade para as meninas jogando, e isso só vai crescer. Quanto mais visibilidade tiver, mais pessoas vão querer jogar e começam a acreditar que também podem.
TN: Você acha que falta um torneio WTA aqui no Brasil para ajudar a chamar a atenção do público?
Laura Pigossi: Acho que tem várias maneiras. As Olimpíadas, por exemplo, abriram muitas portas. Muitas pessoas que não são do nicho do tênis, começaram a acompanhar o tênis. Gente que não conhecia a gente e nem sabiam como contar os pontos no tênis. Daí vinham mandar mensagem para dizer que começaram a nos acompanhar por causa da medalha, da maneira como a gente jogou e nossa atitude em quadra, do quanto a gente lutou, que se identificavam com a gente.
Pra mim, ali, o tênis começou a cruzar algumas fronteiras, sair um pouco desse grupinho do tênis. E o fato da Bia também. A semifinal dela passou em TV aberta, se eu não me engano, isso dá mais visibilidade que um torneio WTA.
Claro, eu amaria que tivesse sete WTAs no Brasil, mas também entendo que se você faz um WTA muito grande, quem são as meninas que conseguem jogar no momento? Acho que vale a pena ter torneios maiores e menores, como um 60, 80 ou um WTA 125, como teremos agora. Para também as meninas que estão vindo, estão 500, também consigam jogar, treinar com as melhores do mundo.
Pra mim, Bia, Luisa, Ingrid, seria incrível ter um WTA no Brasil.
TN: Quais os planos para 2024? Onde você começa o ano? Quais suas metas? Sabemos que esse ano ainda não acabou, mas pensando num futuro.
Laura Pigossi: Meu ano ainda não acabou e eu tenho vários torneios este ano. Jogo a Billie Jean King Cup nesta próxima semana e tenho mais quatro torneios WTAs, onde dois torneio são para eu entrar na chave principal do Australian Open, que é meu principal objetivo, de agora.
Meu outro objetivo é conseguir entrar nas Olimpíadas com meu ranking individual. Então eu gostaria de, até a semana que fecha (a lista de classificados) que é em Roland Garros, poder estar 80, 70. E se eu conseguir entrar com meu próprio ranking eu consigo dar minha vaga do Pan Americano para a menina que está a seguir, que é a argentina Julia Riera, o que significaria que teríamos mais uma sul-americana nas Olimpíadas e isso seria grandioso para o nosso tênis.
Mas estou muito feliz que estou garantida. É um peso que sai das minhas costas e eu consigo jogar mais livre e com menos pressão.
TN: E a nível de Grand Slam, seu objetivo é 'jogar todas as chaves'?
Laura Pigossi: Exatamente. Eu quero tentar entra em todos os Grand Slams na chave principal e acho que isso faz diferença. Também, me consolidar no top 100. E claro e sonho muito grande, mas acredito no trabalho e acho que todo mundo tem que passar por um processo. Não acho que você vai da água para o vinho em dois minutos. Se você não está pronta, seu nível demonstra e você não está em seu lugar. Meu ranking estava 120 por um motivo e este ano me mantive jogando os maiores torneios, não joguei torneio abaixo, nenhum. Consegui manter meu ranking e me consolidar e a partir disso você consegue almejar mais e eu me vejo com nível para passar essa próxima barreira.
TN: O Fernando Meligeni concorda com você, ele comentou exatamente isso, você sólida no top 100, durante um evento em Porto Alegre. Ele inclusive fala de nívels no tênis feminino, você concorda?
Laura Pigossi: Sim. Inclusive eu acho que tem uma diferença muito grande de quem é top 10 para quem é top 5. De top 30 e top 60. Mas eu acredito bastante, sei o que preciso melhorar e o fato de eu ter essa energia em quadra é um extra. As meninas não estão acostumadas a ter isso em quadra e lutar todos os pontos. Isso é uma característica que me favorece muito. E eu gosto muito de jogar em estádio, com muito público, que algumas pessoas acabam ficando nervosa, e isso é um cenário que me faz maior. Eu gosto de torneios grandes e tenho certeza que 2024 vai ser o meu ano e vou subir mais degraus.
TN: Duas curiosidades para encerrar: Qual dois adversária mais difícil que você enfrentou?
Laura Pigossi: O torneio mais difícil foram as Olimpíadas. O primeiro jogo foi contra Sharon Fishamnn e (Gabriela) Dabrowski (canadenses), uma delas era top 10 de duplas (Dabrowski). Na sequência, a gente enfrentou (Karolina) Pliskova e (Marketa) Vondrousova, que acabou de ganhar Wimbledon, fez, acho que semi em Roland Garros [Nota corretiva: Vondrousova foi vice-campeã do torneio em 2019] e fez prata em Tòquio (simples), Pliskova nem precisa falar (ex-número 1 do mundo). Nas quartas a Jessica Pegula, que está aí 2, 3 do mundo. Então nas Olimpíadas eu percebi que eu podia enfrentar e jogar contra qualquer uma.
Já em individual, em termos de ranking, foi a Camila Osorio (colombiana) e ela estava 32ª. Eu ganhei 7/5 7/6 em Bogotá, na casa dela. Eu diria que foi uma dos jogos mais duros, porque estava todo mundo contra mim. Foi como jogar contra o Chile, agora, nas quartas de final (do Pan-Americano). Num estádio que eu chamava de 'Caldeirão do Diabo' (risos), que eu ia sacar o segundo saque e todo mundo vaiava. Era uma loucura e consegui passar por isso e cresci muito naquele torneio.
TN: Qual o maior sonho da Laura hoje?
Laura Pigossi: Conseguir uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris e de Grand Slam, diria ganhar Roland Garros. São meus torneios favoritos e as Olimpíadas é algo grandioso.