Por Ariane Ferrera - Sensação do Rio Open, o chileno Nicolas Jarry é uma das grandes promessas do tênis sul-americano e contou-nos um pouco de sua carreira de inicio na decisão tardia pelo profissional, perrengues do circuito e o sonho olímpico.
Acompanhado da mãe, Cecília, em viagem ao Brasil, Jarry conversou com exclusividade com o Tênis News após desistir da disputa da chave de duplas do Brasil Open, em São Paulo. O tenista contou que após a partida de simples sentiu uma dor no músculo do glúteo e preferiu se preservar e evitar o “pior”.
O chileno, que já não se configura ‘Next Gen’ por estar acima dos 21 anos, contou a história de sua família, que vive unida o sonho olímpico e contou ter decidido ser tenista tardiamente, apenas aos 17 anos. E revelou que a influência das três maiores estrelas do tênis de seu país [Nicolas Massú, Fernando González e Marcelo Ríos] tem sido crucial no desenvolvimento dos jovens locais.
Nico é tímido e muito carinhoso com qualquer pessoa que lhe aborde, tem olhos atentos ao ambiente - esta entrevista foi realizada dentro da sala dedicada aos jogadores, familiares próximos e equipe técnica e quando chegamos, Jarry e sua mãe conversavam com a equipe de Roberto Carballes e os tenistas Gael Monfils e Guillermo Garcia López.
Tênis News: No Rio de Janeiro você comentou que a sua relação com o esporte vinha de seus pais, que até se conheceram praticando esportes. Como o esporte entrou em sua vida?
Nicolas Jarry: Bom, meu pai foi jogador de vôlei profissional tanto no vôlei de praia, quanto em quadra. Inclusive jogou vôlei muitas vezes nesse estádio [Ginásio do Ibirapuera]. Chegou a estar no top 10 do ranking mundial de duplas [foi número 7 no vôlei de praia em 1997], classificou-se para uma Olimpíada, em vaga direta, mas não pôde jogar porque a federação internacional [FIBV] sancionou a federação do Chile [FEVOCHI], por uns problemas que tiveram. Daí meu pai não pôde disputar esses Jogos*.
Meus pais se conheceram na universidade jogando vôlei. Minha mãe jogava também, mas não foi ‘tão profissional’ como meu pai. Meus pais sempre nos incentivaram a praticar esportes, desde muito pequenos. [Nicolas tem outros quatro irmãos: Belén, Sofia, Diego e Sebastián]. Jogamos futebol, tênis, muitas vezes íamos para a neve, fiz ginástica quando pequeno, rugby, vivemos por um ano nos Estados Unidos, ali joguei um pouco de hóquei… sempre estive inserido no esporte e eu curtia, gostava muito de competir e sabia que ia me dedicar a algum deles, pois não me via estudando.
O tênis foi se tornando um prioridade.
*Allan Jarry, pai de Nicolas, lamentou aos nos informar que por problemas administrativos na FEVOCHI, mesmo classificado em vaga direta para os Jogos de Atlanta 1996, na primeira disputa olímpica da história do vôlei de praia, foi impedido de competir em virtude da sanção dada ao vôlei de seu país.
TN: E quando você escolheu pelo tênis?
NJ: Comecei a deixar os demais esportes de lado aos 14 anos e passei a dedicar-me 100% ao tênis aos 17.
TN: Então foi uma decisão recente, você tem 22 anos…
NJ: Sim, tenho 22 anos. Mas foi aos 17 anos que eu decidi que seguiria na carreira de tenista. Terminei o colégio e aí passei a jogar o profissional.
TN: É curioso, muitos jogadores dedicam grande parte do seu treinamento juvenil para entrar em uma universidade e você me fala de usar o esporte porque não se via estudando. Como era essa relação e troca de experiência com os colegas no juvenil?
NJ: Há mesmo muita gente que utiliza o esporte para adentrar em uma universidade de bom nível. No meu caso, havia tanta gente que tinha fé em mim e eu, às vezes, tinha bons resultados enquanto menino e passei a acreditar junto com os que acreditavam mais que eu e me dediquei.
Todos os convites que tive de universidades dos Estados Unidos, declinei para fazer isso de minha vida.
TN: Você comentou no Rio que a parte positiva do destaque que [Christian] Garin ganhou no juvenil [foi campeão juvenil de Roland Garros em 2014 diante de Alexander Zverev] diminuiu a pressão em você, Hans [Podlipnik] e outros…
NJ: Sim, ele foi muito pressionado. Sei que aqui no Brasil também, quando se é menino, você cresce focado nos melhores, mas o mundo acredita que por ser um bom juvenil será um tenista muito bom.
Lá no Chile, no sub 16, fomos campeões mundiais duas vezes. Christian ganhou uma delas. Isso é algo incrível, mas no longo prazo alguns não aguentaram a pressão ou algo aconteceu.
Eu, quando menor, não tinha tão bons resultados e as pessoas não falavam muito de mim e isso me ajudou a entender que as pessoas falam muito, mas que é preciso focar-se em trabalhar e apenas escutar a opinião de sua equipe de trabalho.
TN: Dias depois da campanha no Rio, qual o saldo? Positivo, com certeza…
NJ: Muito positivo. Estou feliz pela baita semana que eu fiz, com vitórias muito boas.Provei a mim mesmo que sou capaz de vencer jogadores muito bons. Sempre soube que poderia fazer, mas nunca consegui algo concreto e esta foi a primeira semana que fiz.
Tenho que manter-me focado, não afrouxar e seguir treinando mais forte que nunca, porque estamos muito próximos de dar um grande passo.
TN: Você não pensa em ‘não afrouxar’, como isso acontece?
NJ: A mim ainda não aconteceu, mas vi outros jogadores que trabalham duro para estar no top 100 e estão aí em quase pouco tempo. Depois, eles vão… Acredito que alguém que trabalha tanto para um objetivo, que é estar no top 100, a partir que o conquista, quer descansar um pouco ou curtir. Ao descansar ou curtir, você baixa a intensidade e começa a encontrar os pensamentos que não são os mais indicados. Eu foco no meu treinamento, no que faço e nada mais.
TN: Há gente que diz que a troca do nível Challenger para ATP é onde se separa os ‘meninos dos homens’ no tênis. É assim mesmo?
NJ: Não. Nos dois circuitos há grandes jogadores. Eu posso dizer que no ATP são mais maduros, mais profissionais e têm um auto-conhecimento melhor. O nível ATP dá luz aos potenciais e os jogadores se dedicam exclusivamente a isso. Já nos Challengers os jogadores precisam definir que tudo [viagens e afins] esteja perfeito, quando na verdade você precisa se dedicar à algumas coisas para ganhar [jogo em si]. Estes têm muita atitude.
TN: Aqui, no Rio… recentemente você tem tido mais contato com os jogadores nível ATP. Como você tem aprendido com eles?
NJ: Observando. Acima de tudo o que fazem fora de quadra, que é o mais importante. Às vezes, você observa que a atitude de um bom jogador é a mesma quando perde ou ganha. Isso é para se tomar como uma lição. Quando alguém perde fica muito triste, mas ao mesmo tempo sabe que essa derrota não significa nada e é preciso seguir.
TN: Essa maturidade sobre o significado das derrotas foi algo que lhe foi passado por seu pai? Ele conversava sobre isso com você?
NJ: A maturidade chega sozinha. Seus pais, meus pais, te dão as coisas para que você trabalhe, mas é preciso sentir na própria carne e ver com seus próprios olhos. E isso eu pude viver bem.
A verdade é que se precisa de muita cabeça neste nível [ATP] e isso é o principal que estou tentando melhorar.
No momento , estou muito feliz com o que faço. Mas na minha visão, o que me falta é a cabeça e me conhecer melhor. Isto vai acontecer com mais partidas jogadas. Quero me manter o máximo que puder neste nível, porque é assim que se aprende.
TN: Na primeira rodada da Copa Davis, tanto Nico Massú [capitão chileno e campeão olímpico], quanto Marcelo Ríos [assistente técnico e ex-número 1 do mundo] falaram que em breve você iria conseguir um destaque em torneio ATP. Nos treinamentos, nas conversas de grupo, eles te falaram isso? Como é a relação de vocês?
NJ: Eu sei que eles acreditam em mim e me apoiam. Me disseram isso. Eles me dão muito apoio dentro e fora de quadra, qualquer coisa se pergunta eles estão sempre disponíveis para responder. Ter a disponibilidade de jogadores tão bons quanto eles e em fácil alcance ajuda na confiança.
Saber que eles acreditam em mim significa muito. Eles sabem o quão difícil é isso, que é preciso treinar e eles sempre me lembram disso.
TN: Estamos longe, mas você disputa a Davis, está perto de firmar-se no top 60 e se assim segue até 2020 poderás disputar a Olimpíada [Tóquio 2020]. Conhecemos a história bonita que o tênis chileno escreveu em Jogos Olímpicos [o primeiro ouro da história do país foi dado pela dupla Nicolas Massú e Fernando Gonzalez, nos Jogos de Atenas 2004. Nesta mesma Olimpíada, Massú foi ouro em simples e Gonzalez bronze. Nos Jogos seguintes: Pequim, Gonzalez foi medalha de prata]. Isso é um objetivo?
NJ: Sim. No Chile, o tênis é o esporte com mais conquistas e jogar uma Olimpíada me encantaria. É um objetivo, que creio que se eu mantiver as coisas como tenho feito há muitas possibilidades que eu chegue lá. Mas falta muito tempo e preciso trabalhar muito.
Como disse, meu pai não pode jogar por problema alheios a ele e acredito que é um sonho para ele.
TN: Qual a coisa mais ‘linda’ em ser tenista?
NJ: [pensando] :Acredito que seja o ‘depois’. É muito difícil durante. Você não pode curtir muito. Você vai à lugares lindos como Rio e São Paulo e não pode conhecê-los porque tens que treinar. Aí acaba um torneio pra você na quinta ou sexta-feira e é preciso levantar voo para o próximo torneio. Mas saber que se teve uma boa carreira, poderá desfrutar destes lugares no futuro. No processo, você conquista grandes amizades. Por exemplo, nos torneios Futures muitas coisas ‘graciosas’ acontecem e você precisa solucioná-las com os amigos e são histórias que você leva para sempre. Histórias que uma pessoa comum não consegue viver.
TN: Você pode nos contar uma dessas coisas ‘graciosas’ que aconteceram com você e seus amigos?
NJ: Faz uns dois anos, não tanto tempo. Fizemos um grupo e fomos jogar na Romênia. Em um torneio, dez dias, tivemos que estar em oito hotéis diferentes.
TN: Oito?
NJ: É, oito… porque era um lugar muito pequeno e todos os hotéis estavam cheios,então íamos uma noite em um e a outra no outro e no outro dia buscávamos outro. Carregando todas as malas, andamos por muitos minutos e foi muito difícil. Foi uma semana muito ruim, mas agora que passou a gente ri. [risos]
TN: Agora, só recordações. Onde vai chegar Nico Jarry?
NJ: Num futuro? Espero seguir jogando por muito tempo e sem lesões. Se conquisto isso, a maturidade vai chegando.
Fotos: Gaspar Nobrega/DGW Comunicação