Por Fabrizio Gallas - Número seis do mundo em 1995, Wayne Ferreira faz nesta semana sua segunda aparição no Rio de Janeiro para o ATP Champions no Copacabana Palace. Aos 41 anos, tenista não poupou críticas à ATP e disse torcer para ter um recorde quebrado.
Foto: Luiz Cândido/Alpha Imagem
Pouco poderia imaginar que o sul-africano, dono de 15 títulos ATP, fosse tão simpatico. No intervalo de um bate-papo com o sueco Thomas Enqvist, que vai ao ar em alguns dias, ele começa a puxar assunto, que rende durante todo o almoço no famoso hotel carioca. Assuntos dos mais variados perguntando sobre tênis brasileiro, mundial e o Rio de Janeiro. Depois de um conselho para experimentar uma feijoada - após a conclusão do torneio, obviamente - chamo para uma entrevista.
Para quem não sabe, Ferreira foi medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 nas duplas e de seus maiores feitos estão um título do então Masters 1000 Stuttgart em 2000 e o recorde com 56 torneios conbsecuitivos do Grand Slam jogados,de janeiro de 1991 no Australian Open até o US Open de 2004 sem parar nos Majors. Essa marca pode ser batida por um homem em 2014, Roger Federer. O suíço não perdeu um Slam sequer desde 2000 e já soma 52 torneios seguidos deste tipo. Se completar 2013 empata com Wayne e jogando o Australian Open de 2014 obtém mais uma marca.
Para Ferreira, será um prazer ver sua marca cair diante do dono de 17 Grand Slams: "De forma alguma torço contra o Federer para manter meu recorde. Com certeza Federer vai me passar, não tenho dúvidas, ele deve jogar por pelo menos mais uns quatro anos. Eu gosto do Federer e quero que ele me passe. Os recordes foram feitos para serem quebrados. Federer merece, ele está tendo uma carreira incrível", disse.
Outro destaque no bate-papo foi a crítica que Ferreira fez à ATP, Associação dos Tenistas Profissionais. Ele já esteve no Conselho dos Jogadores por dois anos e viu a experiência como perda de tempo. Para Ferreira, o presidente atual da entidade não é adequado e os tenistas não devem se concentrar em reclamar dos Grand Slams e sim da premiação dos torneios da ATP: "Não se deve boicotar os Grand Slams. A ITF é que organiza os Slams e todo ano a premiação dos eventos cresce substancialmente. É preciso boicotar os torneios da ATP pois a premiação destes não cresce há anos enquanto que os Slams crescem todos os anos", sentenciou.
Ferreira, que vive em São Francisco (EUA) e hoje tem uma empresa que transforma a umidade do ar em água, teme por Rafael Nadal. Segundo o veterano, se o espanhol não obtiver sucesso suficiente para manter a briga pelos primeiros lugares do ranking, pode se aposentar já ao fim deste ano.
A íntegra do bate-papo você confere abaixo!
Tênis News - Gostaria de saber como foi sua carreira, porque você decidiu ser profissional de tênis na África do Sul ?
Wayne Ferreira - Eu era qualquer juvenil que curtia jogar vários esportes e com 14 anos decidi ser tenista. Aos 16 anos tive que virar militar, servir a Força Aérea no meu país por dois anos, foi ruim por um lado que deixei os estudos, mas por outro foi bom que vários jogadores juvenis foram servir ao mesmo tempo então na parte da tarde conseguíamos treinar e fizemos um bom grupo. Os anos na Força Aérea me ajudaram muito. Com 15 anos comecei a viajar bastante e depois nos 18 fiz um ótimo ano sendo cinco do mundo de simples e primeiro nas duplas.
TN - Sobre sua carreira de profissional, quais as boas memórias, vitórias marcantes e quais seus ressentimentos ?
WF - Ganhei bons jogos, bons torneios como o título do Masters de Stuttgart (Alemanha) em 2000. Meu primeiro Wimbledon eu passei o quali e bati o Yannick Noah que girava como top 5 na época, fui medalha de Prata na Olimpíada de Barcelona (nas duplas ao lado de Piet Norval) em 1992, fiz quartas do Australian Open. O que eu lamento foi ter jogado tantos torneios e não dado foco total nos Grand Slams, talvez viajado e jogado um pouco menos.
TN - Você possui o recorde com 56 Grand Slams jogados consecutivamente. Roger Federer está chegando com 52 e para 2014 pode superá-lo. Está torcendo por ele ? Ou tem aquela torcidinha pra ele ter uma lesãozinha perto de um Slam para que seu recorde se mantenha ?
WF - De forma alguma torço contra o Federer para manter meu recorde. Com certeza Federer vai me passar, não tenho dúvidas, ele deve jogar por pelo menos mais uns quatro anos. Eu gosto do Federer e quero que ele me passe. Os recordes foram feitos para serem quebrados. Federer merece, ele está tendo uma carreira incrível.
TN - Como foi seu processo para a aposentadoria ? Você se retirou na hora certa ? Teve dúvidas, medos, dificuldades ?
WF - Não tenho do reclamar, fiquei muito feliz com a decisão que tomei. Estava ficando velho. Eu já tinha um filho e estava difícil de seguir no circuito e quando ia ter o segundo decidi parar.
TN - Você jogou alguns anos com um filho. Como era essa situação, tinha distrações ?
WF - Meu primeiro filho tinha cinco anos quando parei. Eu sentia falta dele quando viajava pros torneios. A situação era a seguinte, ficava feliz quando vencia os jogos, mas quando perdia cedo ficava também feliz pois tinha algo que significa mais pra mim que era poder voltar pra casa e vê-lo e quando nasceu o segundo decidi parar.
TN - O que você está fazendo agora após se aposentar ?
WF - - Tenho uma empresa de água, que transforma a umidade do ar em água há cinco anos e tenho uma pequena academia de tênis nos Estados Unidos. Eu tenho dias muitos ocupados trabalhando no escritório e ainda vou pra quadra.
TN - Por que este tipo de empresa, por que essa opção ?
WF - No caso eu passei a ter a tecnologia e a visão que água é a base do mundo, está muito valiosa hoje e para o futuro e está faltando. Então quis investir nela e a cada dia estamos melhor, com uma empresa rentável. Hoje sou eu em São Francisco e tenho um sócio em Miami.
TN - Mas com a premiação que você ganhou na carreira (quase US$ 10 milhões fora os patrocínios e bônus) daria pra você viver hoje sem fazer nada ?
WF - Daria sim. Mas eu escolhi seguir uma nova carreira para não ficar parado.
TN - Foram cerca de dois anos sem fazer nada depois da aposentadoria em 2004 ? Chegou a ficar deprimido ?
WF - Deprimido não, mas foram dois anos duros, muito chatos. O mais chato eram pessoas me pedindo pra fazer coisas e eu não ganhava nada então decidi fazer alguma coisa para ter algo que me motivasse quando eu acordasse todos os dias.
TN - Você está seguindo o tênis masculino hoje em dia ? O que você achou de 2012 e quais suas expectativas para 2013, quem poderá ser o número 1 e vencerá os Slams ? Alguma surpresa pode vir ?
WF - Sigo sim, o suficiente. Acredito que o fato do ano foi o Federer retomar o número 1 e ultrapassar as 300 semanas no topo. Em 2013 acho que será a mesma coisa que este ano com os top 4 e a provável volta de Nadal se estiver bem de saúde talvez com algum jovem subindo como o Milos Raonic ou outro.
TN - Anos atrás tinhamos vários nomes no top 100 mais jovens do que hoje em dia. Hoje é difícil um tenista entrar nesse grupo com 18, 19 anos. O que acontece ?
WF - Não tenho certeza como será o próximo tenista, o modelo que teremos. Na minha época eram poucos acima dos 30 anos no top 100, hoje em dia temos poucos com pouca idade por lá. Falta experiência e falta mais variação de jogo. O tenista hoje está mais engessado, só sabe jogar do fundo, quando enfrenta um cara que saca e voleia, acaba se perdendo, não sabe o que fazer. Todo mundo mais ou menos igual. Tenistas dessa estirpe como o Patrick Rafter ou o Stefan Edberg. Acredito que se surgir jogadores como eles, que saibam sacar e volear e ter um jogo legal de fundo, podem se dar bem e ter sucesso mais cedo.
TN - E sobre o Nadal qual sua opinião sobre ele ? Acredita que possa voltar em alto nível ?
WF - Se estiver bem fisicamente ele pode sim, mas acredito que será bem duro pra ele. Nadal vai tentar duro este ano, mas se não funcionar, se não conseguir, se começar a perder muito, ele vai parar de jogar. Não vai querer continuar a jogar tênis por jogar.
TN - Você trabalhou por dois anos no Conselho de Jogadores da ATP. Como era na época ?
WF -Não servia pra nada. Foi um período de insucesso, nada do que os tenistas pediam, era atendido. No caso o que acontece, os tenistas querem e pedem as mudanças pra já, mas também não é assim. O Conselho de Jogadores é bom, mas os Representantes dos Torneios é que atrapalham, eles são na maioria advogados ou empresários enquanto que o dos Jogadores somos nós, mas quem decide são eles e é isso que precisa mudar. Não sei como isso pode mudar, quando estive lá lutei desesperadamente por isso e até hoje se tenta lutar por isso, mas não se consegue.
TN - Você acredita que uma solução seria colocar um ex-jogador na presidência da ATP como a possibilidade que se desenhou com a candidatura de Richard Krajicek para este ano que acabou não acontecendo ?
WF - Acho que o que a ATP precisa é de um presidente que tenha construído uma companhia e a feito crescer ou participado e ajudado um grande grupo a crescer e ter ou manter sucesso. O tênis hoje é um negócio e precisa de alguém que tenha sucesso nesse ramo. Não acho que o Brad Drewett (atual presidente) seja capaz (de ser um bom presidente da ATP), ele não é um cara forte no mundo empresarial e o tênis é uma grande empresa.
TN - Quem você apontaria como capaz para ser o presidente da ATP ?
WF - O sul-africano Etienne De Villliers que já trabalhou na ATP é o perfil adequado, um cara que já teve sucesso no mundo dos negócios. É um homem ambicioso e que não tinha medo dos jogadores e foi capaz de realizar mudanças de uma forma não tão abrupta. Os jogadores querem a mudança na hora, que ela aconteça hoje, mas é preciso explicar a eles que as mudanças podem ser feitas, mas com o tempo. Mas essa pessoa precisa ter histórico de sucesso no mundo empresarial. Se você traz alguém que não esteja bem num ramo, a tendência é que a coisa piore ao invés de melhorar.
TN - O que você achou da possibilidade de boicote ao Australian Open feita pelos jogadores liderada pelo Conselho dos tenistas ?
WF - Não se deve boicotar os Grand Slams e sim a ATP. A ITF é que organiza os Slams e todo ano a premiação dos eventos cresce substancialmente. É preciso boicotar os torneios da ATP como Miami ou Indian Wells. Pois a premiação destes torneios não cresce há anos enquanto que nos Slams cresce toda a temporada. Na minha época quando parei o campeão de um Major ganhava 800, 900 mil dólares, hoje ganha US$ 2 milhões, a primeira rodada pagava US$ 10 mil e hoje, US$ 25, US$ 30 mil. Nos ATPs tanto nos torneios 250 como nos 500 e Masters 1000 a premiação é basicamente a mesma. Nos challengers a premiação é a mesma da época que comecei a joga, nos anos 90, com US$ 25, 35 mil até US$ 125 mil.
TN - Como é o tênis na África do Sul hoje em dia ?
WF - A grana que o governo coloca lá é toda no futebol. Tênis lá é visto como para a elite onde a maioria que joga são os brancos e o governo talvez passe a colocar algo quando um negro começar a jogar bem. Essa é a política de lá, a grana maior está para o futebol e os negros de destaque.
Temos uma confederação que não tem dinheiro, já trabalhei para eles algum tempo, mas queriam que eu ficasse na África do Sul e vivo há duas décadas nos Estados Unidos, então não tinha como permanecer. Hoje em dia não dá para ser jogador morando lá pois os torneios estão todos fora. A maioria dos sul-africanos moram nos Estados Unidos ou tem uma base na Europa, em Londres. É inviável ficar morando na África tendo que fazer longas viagens pros torneios. O Kevin Anderson está ali pelos 30 do mundo e tem qualidade para ser um top 20. No feminino tem a Chanelle Scheepers, e só.