Por Marden Diller – Mais antigo e tradicional torneio do circuito, Wimbledon é um pedaço de história ambulante perambulando pelo tênis profissional. Apesar de ainda ser um dos mais desejados dentre os tenistas, o evento foi alvo de uma grande polêmica nesta temporada.
Tudo se deu em razão da escolha de Roger Federer, atual número três do mundo, como segundo cabeça de chave, em vez do espanhol Rafael Nadal, que ocupa a segunda colocação no ranking. O fato se deve a um sistema adotado única e exclusivamente pelos britânicos para escolher seus cabeças de chave, destoando do restante do circuito. Um dos fatos mais curiosos sobre isso é que esse cálculo afeta apenas a chave masculina, já que no feminino a ordem segue o ranking como nos demais torneios do circuito.
Nos dias posteriores à divulgação dos 32 pré-classificados, o espanhol Rafael Nadal e o sérvio Novak Djokovic vieram a público reclamar abertamente do método adotado pela organização, que desvalorizava o esforço do espanhol que vem de uma campanha sólida na temporada, tendo conquistado o título no Masters 1000 de Roma, além do 12º em Roland Garros.
Mas qual a real importância de ser um cabeça de chave? Como o sorteio de todas as chaves de torneios é aleatório, o sistema de cabeças de chave evita um duelo entre tenistas como Rafael Nadal (número 2) e Novak Djokovic (número 1) já na primeira rodada.
De acordo com o sistema, o cabeça 1 é colocado no topo da chave, enquanto o cabeça 2 é colocado na última posição da parte de baixo da chave. Em seguida, os cabeças 3 e 4 são posicionados de modo que cada um fique na extremidade oposta do quadrante em que estão o primeiro o segundo. Deste modo, os cabeças 3 e 4 enfrentam o 1 e 2 apenas em uma eventual semifinal, enquanto os cabeças 1 e 2 se cruzam apenas em uma eventual decisão.
Os Grand Slams hoje contam com 32 pré-classificados, que na Austrália, Roland Garros e US Open são posicionados de acordo com seu ranking. Na Inglaterra, no entanto, a fórmula é mais complexa: são computados os pontos que o atleta tem no ranking da semana anterior ao início do torneio, são somados 100% dos pontos conquistados na grama nos últimos 12 meses e, por fim, somados 75% dos pontos conquistados na melhor campanha sobre a grama nos 12 meses anteriores, de modo que a campanha do atleta nos dois anos anteriores tem impacto sobre o cálculo.
Seguindo a tradição de “diferentão”, o torneio sempre adotou uma postura diferente para escolher seus favoritos. Em 1924, primeiro ano que utilizaram esse benefício, apenas quatro eram escolhidos, cada um sendo representante de uma nação nomeado pela mesma; em 1927 passaram a utilizar um chaveamento mais complexo, onde os cabeças de chave eram determinados por sua habilidade, independendo da nacionalidade.
Em 1975, os rankings começaram a ser levados em consideração e foi criado um comitê, denominado ‘Seeding Comittee”, que avaliava diversos aspectos do jogo dos tenistas nos cinco anos anteriores, os quais usavam para mover os favoritos para cima ou para baixo, deixando muitos atletas de fora deste benefício, mesmo que seus rankings fossem compatíveis.
O comitê perdurou até o ano 2000, quando uma enorme polêmica marcou o torneio. Naquele tempo o torneio tinha apenas 16 cabeças de chave, e o Seeding Comittee deixou de fora três espanhóis ranqueados entre os 16 primeiros do mundo: Alex Corretja (11º do ranking), Juan Carlos Ferrero (13º) e Albert Costa (15º), assim como marroquino Younes El Aynaoui (16º).
No lugar dos quatro tenistas, o comitê selecionou Richard Krajicek (27º do ranking, 11º cabeça de chave e campeão em 1996), Mark Pilippoussis (18º do ranking, 10º cabeça de chave, três vezes quadrifinalista, uma naquele ano, e viria a ser vice 2003), Patrick Rafter (21º do ranking, 12º cabeça de chave e finalista em 2000 e 2001) e o britânico Greg Rusedski (22º do ranking, 14º cabeça de chave e quadrifinalista em 1997).
Na ocasião, o diretor do torneio, Tim Philips, alegou que o comitê elegia os cabeças de chave de forma interna avaliando os resultados dos atletas nos cinco anos anteriores em Wimbledon e outros torneios, excluindo totalmente os resultados no saibro. A arbitrariedade dos britânicos era fruto de um acordo selado com a ATP em 1999 no qual o torneio poderia designar seus cabeças de chave da forma que bem entendesse. Segundo o próprio Philips alegou em 2000, o objetivo era “evitar duelos nas rodadas iniciais entre Sampras, Rusedski, Rafter, Philippoussis ou Krajicek”.
Corretja foi o primeiro a se levantar contra o torneio e embasar sua revolta no fato de jogar ao longo da temporada em busca de um bom ranking e, ao chegar em Londres, não poder usufruir de seus esforços. Ao lado de seu conterrâneo Albert Costa, o espanhol ameaçou um boicote, especialmente após descobrir que seu provável adversário na segunda rodada seria o norte-americano Pete Sampras, então hexacampeão na grama britânica e que viria a conquistar seu sétimo e último título naquele ano.
Os tenistas insatisfeitos convocaram uma reunião com a diretoria do torneio, onde foram ameaçados com uma multa de US$ 20 mil caso não jogassem, punição padrão para um tenista com seu ranking que desistisse de um dos torneios obrigatórios sem alegar lesão, o que agravou ainda mais a situação, já que o ranking servia para puni-los, mas não para beneficiá-los.
Pouco depois, o imbróglio caiu nos ouvidos da imprensa que, aliada aos injustiçados, concluiu que o caso se tratava de uma manipulação da chave principal do torneio visando favorecer alguns poucos tenistas.
Após uma chuva de críticas ao torneio, Corretja conseguiu que não fosse multado por não jogar, e junto de seus dois compatriotas não disputou a edição 2000 de Wimbledon, ao contrário de El Aynaoui, que fez terceira rodada naquele ano. Ferrero fez sua melhor campanha no torneio em 2007 e 2009, atingindo as quartas de final, enquanto Corretja e Costa apenas voltaram a pisar na grama britânica em 2004.
Os questionamentos feitos pelo trio de espanhóis geraram uma enorme pressão sobre os Grand Slams, que se viram obrigados a encontrar uma solução e acabaram por aumentar o número de cabeças de chave para os 32 que temos atualmente. Wimbledon, por sua vez, foi obrigado a acertar um novo acordo com a ATP, no qual se comprometeria a criar um novo sistema de eleição e posicionamento dos favoritos, de modo a eliminar totalmente a arbitrariedade na operação.
Quanto a Corretja e o ex-diretor Tim Philips, resolveram suas diferenças e são grandes amigos hoje em dia, como o próprio espanhol revelou. “Hoje somos amigos e sempre que relembramos a situação ele exclama: ‘Te dou um tapa!’. E caímos sempre na risada, mas gosto de saber que fomos os precursores de um movimento que tornou o esporte mais justo para todos”.
Marden Diller é jornalista, atualmente redator e colunista do site Tênis News com a coluna 40Love. Apaixonado pelo tênis, acompanha o circuito profissional desde 1999, e como jornalista desde 2011.