Por Ariane Ferreira e Marden Diller - Chris Kermode chegou ao mais alto posto administrativo do tênis masculino, tendo sido tenista, com melhor posto foi 141º, e atuando em torneios, tendo sido diretor assistente em Wimbledon, diretor geral em Queen’s e na direção geral do ATP Finals.
Kermode, que após a aposentadoria como tenista foi treinador, atuou como empresário na indústria cinematográfica, até voltar ao esporte, foi contratado em novembro de 2013 e assumiu o posto no primeiro dia de 2014, com contrato inicial de três anos para dar sequência ao trabalho executado pelo australiano Brad Drewett.
A missão do britânico estava em continuar o crescimento anual do tênis no quesito comercial de transmissões televisivas ao redor do globo. Os números impostos como desafio a Kermode eram altos, cerca de 8% ao ano, porém sua administração chegou a números acima dos 20%, tendo como principal case os novos contratos de transmissão dos Masters 1000, que entre 2014 e 2017 cresceu 24%.
Também sob a administração Kermode, a ATP fez tornar real o projeto da ATP Media, empresa responsável por gerir e retransmitir as imagens dos torneios do circuito ATP em todo o mundo. Com a centralização das emissões de imagem, a ATP de Kermode fez crescer em 43% o alcance e número de assinantes do streaming oficial do circuito, a TennisTV.
O que por consequência tornou o tênis um esporte ainda mais atrativo no que tange o mercado de marketing esportivo global. Com maior exposição e transmissão dos torneios em TVs do mundo todo e o grande alcance de se seu stream e, por consequência, exposição das marcas.
Última grande atuação de Kermode pôs fim à Copa Hopman
Chris Kermode teve atuação indireta na extinção da tradicional Copa Hopman, que viveu sua 31ª edição em 2019 e a princípio não será mais realizada na Austrália. O torneio misto, organizado pela Federação Internacional de Tênis (ITF) e a federação australiana (Tennis Australia), teve anúncio de sua extinção na última semana em razão da criação da ATP Cup.
Um dos maiores legados da administração de Kermode na ATP, a ATP Cup será uma espécie de ‘Copa do Mundo’ do tênis masculino, num paralelo à Copa Davis, com disputa em seis grupos de quatro equipes cada e um máximo de cinco jogadores por time. O torneio será realizado entre os dias 3 e 12 de janeiro de 2020 nas cidades de Perth, Brisbane e Sidney, todas na Austrália, que terá como atração máxima para o atletas a distribuição de US$ 15 milhões em premiação e 750 pontos no ranking da ATP já nas primeiras semanas do ano.
Em contraste, a antiga Copa Hopman pagava US$ 470 mil para a dupla campeã, além do cachê individual que cada atleta recebia por sua participação no evento. Além disso, o torneio não concedia pontos no ranking da ATP, nem da WTA.
Mudanças em prol de tenistas de menor ranking
Desde o início de sua gestão, Kermode mostrou-se preocupado com a parcela de jogadores de fora da elite, aqueles que dependem quase que em exclusivo das premiações
dos torneios Challenger ou até mesmo das primeiras rodadas em eventos ATP para prosseguir competindo no circuito profissional.
A elevação dos valores de premiação se deu, principalmente, nos torneios do Grand Slam que desde então mantém uma política estrutural de aumento anual nos valores das premiações concedidas aos atletas a cada nova rodada. Desde 2015, os torneios do Grand Slam têm batidos seus próprios recordes de premiação total a cada nova edição. A maior jogada do britânico foi uma elevação nos valores da primeira rodada dos torneios, uma reclamação antiga de atletas abaixo do top 50, que sempre esteve em seus planos e que passou a ser frequente de 2015 em diante, a partir do US Open. A medida favorece principalmente os atletas de menor ranking.
Ainda dentro desta mesma política, a premiação da fase qualificatória dos Grand Slams alcançou novos patamares, com crescimento anual e a quase duplicação de valores no Us Open de 2016.
Apesar da grande vitória ainda no primeiro ano de sua gestão, os planos de Kermode para a sustentação do circuito profissional masculino estavam longe de ter chegado ao fim. Em 2016, a ATP anunciou a construção de um pacote de inovações com foco no aumento da popularidade do esporte, bem como uma ação direta nos torneios do circuito Challenger.
Encontrando apoios na mesma proporção de resistência às mudanças, Kermode não conseguiu que todas as propostas fossem aprovadas, no entanto uma remodelagem do circuito Challenger foi aprovada pela ATP para execução a partir de 2019. Dentre as modificações, foram postas em prática o aumento de chave de 32 para 48 jogadores, com 64 posições de saída com todos os 16 cabeças de chave estreando de bye na primeira rodada, dando assim, um jogo a mais no quadro principal a todos os outros 32 jogadores. Ainda se garantiu hospedagem em todos os eventos, um aumento de premiação estimado em US$ 1 milhão (R$ 3,84 milhões) ao longo da temporada, além da redução do tempo dos torneios para uma semana de duração, incluindo o qualificatório, para facilitar a agenda dos atletas.
Kermode promoveu um crescimento médio geral do tênis masculino na casa dos 23%. Isso contando crescimento de público presente em torneios, crescimento exponencial de contratos de transmissão televisiva globalmente, aumento de arrecadação em valores de patrocínios e evolução de premiações.
Confira abaixo a relação entre a premiação total de cada um dos Masters 1000 no primeiro ano de mandato de Kermode e seu último ano, na corrente temporada de tênis.
Indian Wells: 2014 - US$ 5.240.015 2019 - US$ 8.359.455
Miami: 2014 - US$ 4.720.380 2019 - US$ 8.359.455
Monte Carlo: 2014 - € 2.884.675 2019 - € 5.207.405
Madri: 2014 - € 3.671.405 2019 - € 6.536.160
Roma: 2014 - € 2.884.675 2019 - € 5.207.405
Canadá: 2014 - US$ 3.146.920 2019 - US$ 5.701.945
Cincinnati: 2014 - US$ 3.356.715 2019 - US$ 6.056.280
Xangai: 2014 - US$ 4.195.895 2019 - US$ 7.473.620
Paris: 2014 - € 2.884.675 2019 - € 5.207.405
ATP Finals: 2014 - € 6.500.000 2019 - € 9.000.000
Confira a evolução de premiação de tenistas com base no último ranking do primeiro ano de Kermode e do último ranking atualizado de 2018. Os valores se referem a premiação total alcançada pelo tenista em postos determinados. Ao lado de cada premiação o nome do tenista ali colocado na ocasião.
10º 2014 - US$ 2.574.027 (David Ferrer) 2018 - US$ 3.746.875 (John Isner)
20º 2014 - US$ 1.085.883 (Fabio Fognini) 2018 - US$ 1.439.736 (Marco Cecchinato)
50º 2014 - US$ 477.980 (Lleyton Hewitt) 2018 - US$ 942.335 (Robin Haase)
100º 2014 - US$ 168.738 (Filip Krajinovic) 2018 - US$ 453.215 (Ivo Karlovic)
Dentro de todas estas mudanças, preocupada com a proximidade do fim de sua mais vitoriosa geração, a ATP optou por investir pesado num plano de marketing e apoio a jovens talentos na intitulada ‘Next Gen’. Num segundo momento foi criado o ATP NextGen Finals, que reúne os sete melhores tenista da temporada até 21 anos mais um convidado. O torneio é palco de testes para todas as propostas da entidade, como redução dos sets para quatro games, fim do “let” no saque, cronômetro de 25 segundos em quadra para a transição entre os pontos, entre outros.
Após os testes no torneio da nova geração, optou-se por inserir no circuito o cronômetro em quadra, assim como a limitação do tempo para o início da partida em um minuto dada a entrada quadra, cinco de aquecimento e mais um minuto para o primeiro saque. Kermode ainda conseguiu, na liderança da ATP, a criação da própria competição de nações da entidade, a ATP Cup, que terá sua primeira edição em 2020, rivalizando com a recém-remodelada Copa Davis.
Kermode encarou a maior crise de credibilidade do tênis à frente da ATP
Em janeiro 2016 uma série de denúncias feitas pela imprensa britânica, sob comando principal da agência de notícias Buzz Feed News e o jornal The Guardian, trouxe à tona diversas informações a respeito da corrupção no tênis, mais precisamente na venda de resultados de partidas por parte de atletas para grupos envolvidos com a máfia de apostas, que utilizam casas do gênero tanto para crescimento de ganhos financeiros rápidos como lavagem de dinheiro.
Dentre as denúncias apresentadas, estava a de que mais de duas dezenas de tenistas, do top 50 estavam sendo investigados pela recém criada Unidade de Integridade do Tênis (TIU), por envolvimento direto nas vendas de resultados de seus jogos.
Como resposta, a administração Kermode anunciou a contratação de uma auditoria externa independente para re-analisar dados referentes a processos internos da ATP, como investigações e punições administrativas, realizadas antes da criação do TIU em meados dos anos 2000. Ainda como resposta à denúncia, Kermode optou por dar um suporte financeiro para o TIU ampliar sua equipe de investigação e sustentar o trabalho de uma auditoria externa na Unidade.
Ao lado da ITF, a ATP tem investido na orientação de tenistas jovens e nos últimos cinco anos ampliou a quantidade de cursos da ‘Universidade da ATP’ dada no decorrer do ano, como o número de atletas alcançados globalmente.
A ATP não divulga números e não apresenta as modificações no portal dos atletas, um site dedicado exclusivamente aos tenistas, no qual além de informações sobre inscrições dos torneios e outras funcionalidades para a vida em competição, os tenistas encontram orientações a respeito da relação de corrupção
A decisão
O brasileiro Bruno Soares, que ao lado do parceiro, o escocês Jamie Murray, representa os duplistas no Conselho dos Jogadores, conversou com a reportagem do Tênis News e deu seu ponto de vista sobre a decisão do Board da ATP pela saída de Kermode.
“A saída dele foi uma decisão do Board da ATP, pois nós do Conselho ficamos bastante divididos. Não existe um momento bom ou hora boa para a saída de um cara que fez um bom papel, como o Chris. Ele teve muitas coisas positivas como legado. O tênis está em um momento muito positivo e ele deixa um legado muito bacana para a Associação, e assim mostra que fez um grande trabalho na liderança”, pontuou.
Já em Indian Wells, o suíço Roger Federer, ex-presidente do Conselho durante o primeiro contrato de Kermode, e o espanhol Rafael Nadal, emitiram opiniões que corroboram com o que fala Soares. Mesmo afastados do Conselho, Nadal e Federer questionam as razões pelas quais não não informados com ‘antecedência’ sobre a decisão ou mesmo sobre o caminho a ser seguido. (saiba mais).
O substituto
Assim que ficou definido no Conselho dos Jogadores que Kermode não tinha apoio suficiente dos atletas para finalizar seu sétimo ano, o próprio Conselho teria acionado um grupo de Head Hunters para a contratação de um novo mandatário.
Ainda segundo Bruno Soares, o britânico cumprirá o restante de seu mandato, enquanto a ATP busca seu substituto. “Ele ainda tem um ano de contrato, que termina em dezembro, período que ele já garantiu cumprir da melhor forma possível. Esse tempo, então, é o período que a ATP tem para encontrar alguém para substituir o Chris, e esse alguém pode ser de qualquer área e qualquer lugar, fica totalmente em aberto”.
A imprensa inglesa aponta Richard Scudamore, ex-presidente da Premier League, principal liga de futebol profissional da Inglaterra. Scudamore deu a Premier League o status de maior liga esportiva do mundo e a tornou o campeonato nacional de futebol mais rentável do mundo para atletas, clubes, investidores e patrocinadores.
Entretanto, o nome favorito para assumir o posto é do ex-tenista, comentarista de TV e treinador norte-americano, Justin Gimelstob, que também faz parte do conselho. Entretanto, o nome do norte-americano tem grande rejeição entre os atletas do top 50, primeiro porque ele é apontado ao lado de Djokovic como um dos articuladores da queda de Kermode, mas principalmente por estar respondendo a um processo judicial por ter atacado e ameaçado de morte Randall Kaplan, um conhecido investidor inglês em novembro de 2018.
Há ainda um pequeno movimento da imprensa que aponta que a ATP deveria tirar de suas cadeiras de executivos o nome do substituto de Kermode, o que pode não ocorrer já que o Conselho de Jogadores promoveu a queda do CEO exatamente por desacreditar sua administração e por esta razão coloca em dúvida a atuação de todos os subordinados de Kermode, inclusive do ex-tenista Ross Hutchings, considerado pela mídia especializada um bom nome.
Hutching é diretor de relacionamento e desenvolvimento da ATP. O ex-duplista britânico entrou na ATP como um agente conciliador entre estruturas/torneios e os atletas. Em 2013 e 2014 esteve no Brasil para analisar e avaliar o Brasil Open, e no primeiro ano deixou o torneio com muitas reclamações dos tenistas, e ajudou a implementar melhorias para o ano seguinte. Como um dos homens fortes de Kermode, Hutching ainda trabalhou na estruturação do projeto Next Gen para promover a nova geração de atletas do circuito profissional.
Responsável também por pensar, sugerir e implementar mudanças de regras e tecnológicas para o esporte, facilitando a vida de profissionais e das transmissões em mídia, Hutchings uniu suas duas funções como diretor geral do ATP Finals Next Gen em Milão, na Itália.